Afeto vem de afetar o outro

Comunhão

Rafael Oliveira
Revista Subjetiva
4 min readJan 20, 2021

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Tudo começa com amor e vai indo para não sei onde.

Laço n°2//presságio do nosso encontro —¨, pelo artista george.teles

Derme

O céu estrelado que nunca vimos aqui nessa cidade está esculpido renascentistamente em suas costas. Fazendo aquela brincadeira de criança, ligando os pontos e formando uma figura, podemos obter um pato, um pegasus, um abajur, um icosaedro. É um estudo detalhado. A ponta dos meus dedos percorre, suas manchas, da esquerda para a direita, traçando rotas de uma minúscula insula a outra. Depois de muito tempo, seu corpo ocupa o quarto todo. Você está no ar, dentro do quadro, no tapete e principalmente no meu edredom.

Consciência

Você falou sobre signos, revirei os olhos. Não é sobre linguagem. Astrologiafobico? Jamais. Contudo pessoas falando de signos são uma das coisas mais irritantes do mundo, mais como. Não é sobre Saussure. Disse como virgem e gêmeos não combinavam e viu minha cara de desdém, meu rosto tépido. Em seguida disse “de qualquer forma, não importa! um mero acaso astrológico nunca se interporia entre nós”. Certo rubor transpareceu, confesso. O tempo dilatou. Uma matiz quase sacra preencheu o ambiente. Pensei que não sabia quando tinha se dado pela primeira vez, mas que tinha acontecido novamente. Não sei se foi quando você disse “7 bilhões de pessoas e eu esquentando meu próprio pé” ou “saudade é um sentimento tão brega. É desconfortável falar que sente saudade quando se deve dizer” ou quando você disse “amor é descansar, mas amor romântico é blasé”. Não sei e não faço a mínima. Em algum momento tive aquela certeza.

Fôlego

Quando era criança, costumava apostar corrida com um amigo. Na verdade, ele que me convidava para uma “amistosa” disputa. Sabíamos que ele ia ganhar, pois ela era mais rápido e não tem meus problemas respiratórios. A resposta está exatamente aí, na respiração. Ás vezes esqueço de respirar. E quando me concentro em respirar, quando a ideia está na minha frente, exatamente o que devo fazer, em uma mortal queda livre, acontece um espasmo e meus braços tentam se segurar o nada. Perco o compasso. Você é o tapinha nas costa, o “tudo bem aí?”. E o acho.

Íris

10° graus de miopia, enxergo tudo meio embaçado, como se as coisas fossem tímidas, não quisessem ser vistas. E se elas não querem ser vistas, tudo bem. Nem tudo é sobre a gente, e reconhecer isso mostra o tipo de pessoa que você é perante o mundo. Mas tem dias que me revolto pela minha própria impotência, pelas coisas que não escolhi, mas foram colocadas debaixo do suéter de tecido grosso e macio. “É um presente!”, era uma bomba. Quando minha armação com lente fundo de garrafa se partiu ao meio e no meio do calçadão, jurei amaldiçoar o mundo todo, cada célula que compõe cada maldito ser humano existente. O ponteiro da bussola se moveu frenético, como se a ideia de norte fosse um mero erro geográfico/magnético. “Aqui!” com o braço dobrado, prostrado diante de mim como se fosse uma senil senhora que aguarda um bom jovem para poder atravessar a rua. Olhei para seus olhos. Conseguia distinguir cada pulsar nos espaços castanhos escuro. Era uma supernova com prazo estendido indefinidamente. E foi como se meu astigmatismo e miopia fossem embora.

Tato

A palma da sua mão gélida contrapondo o sol de 32°, e a sensação térmica de “cumprindo meus pecados”. No meu primeiro pré conceito, achei que você era o polo norte em carne viva. Contudo, é uma hidromassagem que vai relaxando a tensão do corpo e aumentando a temperatura. Você é uma válvula, um diapasão e também uma sanfona.

Hipotálamo

Não é como se eu fosse um simplório ser humano da qual você resgata dos piores nêmesis. É que você só é. Nunca conheci alguém incandescente. Tenho um fraco por quem sabe usar os adjetivos. Embora, correlação não seja causalidade. Fique atento, você perde a concentração pelo zunido de uma simples mosca, e vai parar em pensamentos de “como todas as coisas ganharam seus respectivos nomes?”. Você não sabe, mas eu falei para minha mãe sobre você.
Por fim, queria perguntar se lembras daquela vez que me colocou nos ombros e me balançou como um filho. O vento batendo no rosto nunca me fez tão vivo.
Mas não é o vento batendo no rosto.
Nem o balanço.
É o fragmento de tempo. Esse pequeno estante, minguante, onde minha felicidade se amplifica.
E eu lembro que posso ser mais
Feliz.

Primeiro manto — pelo artista george.teles

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Rafael Oliveira
Revista Subjetiva

Você está nos meus dedos e nos meus pensamentos, embora só escreva de você para falar de mim. Rafaeloljs@gmail.com