Amei: passado pretérito perfeito

Considerações sobre um sentimento e um tempo verbal

Regiane Folter
Revista Subjetiva

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“Por isso eu sei de cada luz, de cada cor de cor

Pode me perguntar de cada coisa

Que eu me lembro”

(Clarice Falcão)

Depois de um tempo namorando alguém, é comum trocar ideias, gostos e até pronomes: o “nós” passa a soar mais que o “eu”/“elx”. Tudo parece acontecer em 2x1 - passeios, passos, decisões. “Nós vimos o último episódio da série…”, “Nós vamos viajar…”, “Nós adoramos cerveja artesanal…”…

São tantos nós que dão nó e ficam cada vez mais interligados.

Importante destacar que isso não é errado e necessariamente ruim! Esse tipo de comportamento fusionado é até natural numa relação, a meu ver, já que um namoro é um processo de cuidado e carinho mútuo.

Mas me preocupa quando ficamos tão no “nós” que desatendemos o “eu”. Qualquer problema pode ser evitado se não nos esquecemos que em um casal existem dois seres humanos, logo dois universos inteirinhos de vontades, pensamentos, crenças, querencias. Isso é muito para caber em uma só existência — às vezes o “nós” tem que se separar.

Para escolher, para opinar, para fazer, para lembrar inclusive, duas pessoas podem (e devem) ter reações muito diversas. Eu por exemplo, quando penso no momento em que me apaixonei pelo rapaz com quem divido minhas contas e o cuidado de um gatíneo, penso num dia quente de janeiro. Lembro de uma sacada no sétimo andar e de um beijo que poderia ter sido visto por toda uma multidão, mas que só nós vimos. Lembro de passar toda a tarde vendo filmes bobos só pra ter uma desculpa para estarmos sentados pseudo-abraçados e juntos. Lembro que foi esse o primeiro instante em que o amei.

Ele, por outro lado, embora guarde essa lembrança com carinho também, pensa em outras coisas quando quer lembrar de quando se apaixonou por mim. Ele normalmente não é de falar muito sobre essas coisas do coração, então eu especulo! Talvez o momento exato foi em um dia frio de maio, em um aeroporto, segurando uma plaquinha de “bienvenidos” e pensando em temas banais para ter sobre o que conversar.

Ou talvez foi muito tempo depois, quase um ano adiante no tempo, numa madrugada (provavelmente também fria) quando ele resolveu buscar o que significava aquela coisa louca que estava sentindo. Vocês também já procuraram “amor” no dicionário?

Às vezes a gente recorre a quem sabe mais pra tentar entender a vida; mal sabemos que a única maneira de entendê-la é vivendo.

O que quero dizer com isso é que amamos, sim, nós dois. Mas como chegamos até aqui foi um caminho que cada um trilhou, até mais separado que junto. Decidir amar alguém acontece de maneira quase tão inevitável e imprescindível quanto respirar. E as razões pelas quais escolhi amá-lo, assim como os motivos que ele tem para sentir o mesmo por mim, são só minhas, são só dele. Os momentos importantes compartilhados são queridos pra cada um de nós em diferentes níveis, com diferentes carinhos. Simplesmente porque pessoas diferentes valorizam coisas diferentes, e é por isso mesmo que decidimos ser um casal: porque vemos na diferença do outro algo que nos fascina.

Então tudo bem se o que você lembra é diferente do que lembra o teu/tua companheiro/a. Não é por mal que elx esquece das datas importantes — você já se perguntou se há outras datas mais importantes para elx? O passado pretérito que fundou essa relação é diverso e cheio das cores e toques de cada um — ninguém ama mais ou menos, só amaram e amam diferente. E é perfeito exatamente assim.

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Regiane Folter
Revista Subjetiva

Escritora brasileira vivendo no Uruguai 🌎 Escrevendo em português e espanhol 🖋️ Compre meus livros: https://www.regianefolter.com/livros