O que deu errado no assassinato da reputação do Lula?

Maya Falks
Revista Subjetiva
Published in
8 min readApr 15, 2018

Nasci 2 anos e 5 meses depois da fundação do PT. Como a maioria dos jovens da minha convivência enquanto jovem de classe médio e sulista, cresci repetindo mantras anti-petistas e propagando informações sobre seu líder máximo sem jamais me dar o trabalho de verificar as informações que eu ajudava a espalhar.

Tudo isso era fruto da Veja, que chegava na minha caixa dos correios todos os domingos, e do Jornal Nacional, que é, até hoje, o programa mais assistido na casa onde eu moro.

Justamente pelo bombardeio de denúncias e fofocas dignas de Caras, me surpreendi quando Lula foi eleito pela primeira vez. À ocasião já era eleitora — tirei meu título na eleição presidencial anterior para contribuir com a reeleição de FHC, mas fui além — fui cabo eleitoral de José Serra, pra quem fiz campanha abertamente.

Lembro com clareza, apesar dos 16 anos que nos separam dessa data, o tamanho do ódio que eu senti quando soube que Lula — aquele que eu chamava de “analfabeto cachaceiro” — foi o segundo presidente mais votado da história. Da história do mundo, no caso, o único que superou Lula em votos foi Ronald Reagan, presidente americano, em 1984.

Na segunda eleição o clima estava ainda mais inflamado, publicações como a Veja e jornais de grande circulação faziam campanha anti-Lula em todas as suas edições e o Jornal Nacional seguia dando grande destaque ao então presidente, por vezes manipulando alguns dados e nada disso foi o bastante para impedir que Lula fosse reeleito com certa facilidade.

Aqui cabe uma ressalva — mesmo com a farsa montada pela Globo na eleição de 1989, em que Fernando Collor apareceu na tribuna em um debate com uma pasta vazia entregue a ele por José Bonifácio (Boni, diretor importante na Globo) alegando conter denúncias graves contra o então candidato (não havia internet à época, a fraude colou e foi determinante na vitória de Collor), nenhuma eleição teve campanha tão escancarada da mídia hegemônica quanto a de 2014, em que Dilma Roussef saiu vitoriosa.

A segunda eleição do Lula foi tão intragável pra mim quanto foi a primeira e, em meus discursos políticos, eu repetia dados que aprendia nos veículos hegemônicos porque aquilo era, pra mim, uma verdade incontestável. Àquela altura não fazia qualquer sentido que Lula e sua sucessora Dilma pudessem ter qualquer credibilidade, uma vez que a gigante maioria do país “bebia” das mesmas fontes que eu.

No ano de 2014, como mencionado antes, a campanha midiática anti-PT tomou outras proporções com o surgimento de grupos paralelos fazendo papel de mídia e militância anti-petista contando com apoio de mídias tradicionais — um dos membros de um desses grupos não apenas teve espaço em estúdios de rádio e televisão como ganhou sua própria coluna em um dos jornais de maior circulação do país.

Entre 2014 e 2016, o ódio anti-PT alcançou seu ápice; em um curto período de tempo foram registrados casos de violência recorrentes contra pessoas que se identificavam ou que eram identificadas como petistas. Entre os casos mais notáveis, um homem foi ameaçado com denúncia no conselho tutelar por ter posto um tip-top vermelho em seu bebê, um cachorro foi chutado na rua por trajar uma bandana vermelha e eu, que jamais integrei partido algum e fui boa parte da vida militante ativa anti-PT, quase fui atingida por uma garrafa a caminho da faculdade e fui xingada por homens em um veículo porque usava uma camiseta vermelha — da Coca-Cola.

Não que não houvesse violência do outro lado também, deixo claro que não estou isentando petistas de possíveis atos de violência contra opositores, mas é importante pontuar que a campanha anti-petista na mídia teve êxito em muitos aspectos — talvez a maior prova disso é que não existem campanhas de extinção de partidos exaustivamente flagrados em atos de corrupção nem ninguém é xingado de “psdbista” ou “pmdbista” nas redes sociais. Como jornalista buscando apresentar os fatos de forma imparcial, já fui chamada centenas de vezes de “petista” como xingamento por simplesmente não repetir alguns desses mantras plantados pela mídia hegemônica — e afirmo que foi esse o motivo porque ninguém jamais encontrará qualquer fala minha de defesa ou simpatia ao partido em questão.

A partir de 2014 o Brasil acabou dividido em três grupos mais evidentes — o pessoal de esquerda (que contempla muita gente anti-petista), o pessoal anti-PT e o pessoal anti-tudo-o-que-está-aí-com-especial-antipatia-pelo-PT, e foi justamente essa divisão que facilitou o processo de impeachment de Dilma Roussef, em 2016 mesmo com o famoso áudio de Romero Jucá admitindo que a queda da Dilma era necessária para impedir o avanço da Lava-Jato e mesmo parte dos deputados e senadores admitindo publicamente nas redes de televisão que todos estavam cientes de que não havia crime.

O país começou a demonstrar que aceitaria qualquer violação constitucional ou penal que viesse a ser cometida desde que o PT fosse eliminado do país e qualquer pessoa que discorde de violações constitucionais ou de direitos individuais passou a ser imediatamente rotulada de “petista”, “comunista”, “escória” e “defensor de bandido”. Nesse trajeto perdi a conta de quantas vezes fui chamada desses termos mesmo explicando as consequências perigosíssimas dessas violações para o nosso futuro. A luta contra a abertura de precedentes perigosos sempre foi minha bandeira nesse processo todo, mas não parece haver muito interesse dos que hoje se consideram meus opositores em entender isso.

Isso seria a prova máxima de que a mídia venceu em seu objetivo de quase 4 décadas de assassinato da reputação do ex-presidente operário, certo? Bom… errado.

Lula foi condenado em primeira e segunda instância, teve o Habeas Corpus negado pelo STF e pedido de prisão expedido. A partir da decisão do STF, uma multidão se deslocou para São Bernardo do Campo, no ABC paulista, no berço político de Lula e se iniciou uma manifestação com mais de 24 horas de duração. Mas mais do que isso, o pronunciamento de Lula na manhã do sábado, 07 de abril, bateu recordes de audiência por todo o país e ele desceu do palanque montado próximo ao sindicato sendo acolhido e carregado pelo povo até o sindicato, onde centenas de pessoas literalmente o impediram de se entregar à justiça até à noite, quando autoridades petistas precisaram pedir ao povo que o deixassem ir.

A pergunta que fica: como um homem com sua reputação arruinada por quase 4 décadas de manchetes negativas nos principais veículos de comunicação consegue uma reação popular dessa após um mandado de prisão? Não vimos isso acontecer com Eduardo Cunha, por exemplo, mesmo ele tendo virado um “herói nacional” depois de acolher o pedido de impeachment de Dilma.

A resposta é simples: a reputação de Lula permanece. Será por seu carisma, seus discursos inflamados capazes de levar o povo às lágrimas (ou à luta)? Talvez, mas não só isso. Se formos parar pra analisar o processo midiático de assassinato de reputação, será fácil perceber que a mídia perdeu a mão.

A popularização da internet e das mídias sociais contribuiu fortemente com o surgimento e propagação feito pólvora das fake News, mas também tirou das mídias tradicionais todo o poder sobre a informação não apenas com o surgimento de mídias alternativas produzindo ativamente conteúdo jornalístico, mas também pelo poder de construção e propagação de narrativas por parte do usuário comum.

O fenômeno da perda do controle absoluto sobre a informação gerou consequências refletidas nas urnas com 4 eleições consecutivas do PT mesmo com esforços escancarados de veículos de grande circulação, como a Globo e a Veja. Foi exatamente nesse período que, segundo minha análise, a Globo cometeu o maior de seus erros que pode ter custado à emissora o sucesso no seu objetivo contra o Lula: o helicóptero de cocaína.

Quando o famoso helicóptero com meia tonelada de pasta de cocaína foi apreendido e ligado ao então candidato opositor de Dilma, a notícia teria o potencial de arruinar a carreira política do suspeito de posse do entorpecente. Teria, se não tivesse sido tratada com descaso e banalidade. Excetuando-se o fato de que não aconteceu nada com nenhum dos envolvidos no episódio, na ocasião da apreensão o Jornal Nacional dedicava-se com afinco a denunciar a posse de Lula de dois pedalinhos e uma canoinha de lata.

A diferença de pesos dos dois fatos na mídia hegemônica foi, na minha análise, a ruína do projeto anti-Lula. Qualquer pessoa identifica que um candidato à presidência ser suspeito de posse de uma carga de meia tonelada de pasta de cocaína é uma notícia muito mais relevante do que um ex-presidente ser pego como proprietário de dois pedalinhos e uma canoinha de lata, mesmo assim o segundo assunto foi imensamente mais explorado do que primeiro, que foi apenas mencionado.

Obviamente outros fatos foram se somando à perda da credibilidade das mídias hegemônicas sobre o controle da narrativa de quem é Lula, o que pesou sobremaneira nesse caso específico é a possibilidade de comparação imediata. Dois fatos na mesma semana, um gravíssimo envolvendo um presidenciável em plena corrida eleitoral, ou banal envolvendo um ex-presidente. A escolha da mídia em dar maior peso à notícia de menor valor por envolver seu desafeto foi um erro fatal porque se antes se achava normal o Lula ser pauta constante como alvo de críticas e denúncias, naquele momento a escolha não fez nenhum sentido.

Aliás, do ponto de vista jornalístico, a escolha dos pedalinhos e da canoinha do ex-presidente como pauta central e a meia tonelada de pasta de cocaína do presidenciável como tema secundário tornou impossível não se admitir a existência de uma perseguição escancarada do veículo contra o ex-presidente.

À essa altura eu já não comprava mais a narrativa vendida pelas grandes mídias, mas testemunhei vários amigos anti-petistas se isentando da luta anti-Lula por reconhecerem o exagero que tornou clara a perseguição. As mídias, nesse ponto, podem ter evitado o surgimento de novas gerações de seguidores do Lula, mas a aniquilação da reputação do ex-presidente deu muitos passos pra trás e isso foi determinante para que Lula fosse o único condenado sendo impedido de se entregar à justiça pelo próprio povo em toda a história do país.

O que fica claro é que, mesmo possivelmente impedido de concorrer à presidência em 2018, Lula, em meio às tentativas de assassinar sua reputação, se tornou um mito, um líder ainda mais emblemático e histórico do que já era após deixar a presidência com recordes quase imbatíveis de aprovação.

Lula tem razão ao dizer que se tornou mais do que um ser humano, uma ideia, e a ironia toda é que isso acabou sendo possível graças a uma mídia que tenta destruí-lo há quase 40 anos.

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Maya Falks
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Escritora, publicitária, jornalista e caçadora de nuvens.