Andrea e a noite insular

José Tadeu Gobbi
Revista Subjetiva
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2 min readFeb 21, 2022
Photo by Luigi Boccardo on Unsplash

A estrada se prolonga e se afasta
da própria compreensão de distância.
Deve haver sol, mas não existe horizonte.
Deve haver um destino, mas não é possível chegar.

A estrada se prolonga como o eco de um grito
e nem carros rompem barreiras,
nem prisões corroem os sentidos,
nem o silêncio acalma a opressão do medo.

Supondo que é a Lua que desce por entre as nuvens
nenhum poeta partirá os corações
nem partirão depois do adeus
os pássaros que chegaram com a estação.

O descontrole emocional acaba na aurora
e perdemos o jogo esgrimindo razões
carregadas de palavras que ferem.
Sobra rancor no lugar do perdão.

Já deveriam ter descoberto este medo, Andrea,
pavor de estar vulnerável… Alguém foi ferido
e havia tanta dor em tudo, na relva do jardim,
nas taças sobre a mesa e
nas rosas carregadas daquela atenção tardia.

As faces se observam atrás de máscaras,
por dentro, calculistas, remexem as cicatrizes
e os milhões de palavras não ditas.

A estrada se prolonga além da fé,
e nos rostos tocados pela brisa, não há memória,
sequer uma lembrança, a não ser um anel jogado
num canto sujo tantas vezes varrido pelo vento.

Só um ódio insuportável,
um sentimento de morte onde sonhos
tinham criado a ilusão do amor.

Começa outro destino e a estrada parece a mesma
a pele branca ainda está marcada com a pressão dos dedos,
ainda, na memória, os gritos ecoam em cada recanto da casa,
vazia desde sempre.

Os antigos sonhos, o que fizeram, Andrea?
Alguém puxou o gatilho, não teve escolha.
Talvez não compreenda que estes pássaros sempre voltarão.

No espelho muitas faces se observam,
na lembrança dos olhares as faces se vigiam.
A vida se aprisionou num amanhecer
como que envolta em um vórtice temporal.

Existem muitas formas de viver, Andrea,
sempre o mesmo dia, novamente e de novo,
preparando as palavras para dizer, mais uma vez,
e outra vez tomar as rosas e as razões,
e também o mesmo vinho que ficou na garrafa,
perdida nos destroços de uma nau, a vida,
no fundo de um oceano de mentiras.

E, de novo, eternamente, olhar a mesa posta no jardim,
o rosto inerte iluminado pela Lua,
e aquele olhar fixo em algum ponto no infinito.

E, neste déjà vu existencial, ver a aurora invadir a paisagem,
a brisa apagar as velas, e as lágrimas secarem no rosto.
Deve haver um limite para esta noite Andrea,
para esta noite que nunca termina.

Revisão: Julia Tetzlaff Rosas

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José Tadeu Gobbi
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Publicitário, um brasileiro que crê em valores republicanos e num país que valorize honestidade, competência e talento. Bom te ver por aqui.