Prezado cliente
Coisas que (quase) todo freelancer gostaria de dizer.
Trabalhando como freelancer, você acaba vendo de tudo. Tem o cliente iniciante, que quer pagar duas coxinhas e uma paçoca por um trabalho que demanda pra caramba porque, sabe como é, a empresa dele está começando, então ele precisa de um “precinho amigo”. Tem o cliente neurótico, que acha que está sempre sendo extorquido e que os freelancers “metem a faca” nos preços só porque ele não entende bem do serviço. E, claro, tem o cliente empreendedor, o que está focado lá na frente, já tem todo um plano traçado pra ficar milionário. Mas, para chegar lá, ele precisa da sua “parceria” (a.k.a. explorar a sua mão-de-obra a preço de banana em próprio benefício).
Não é à toa que as relações entre os freelas e seus respectivos contratantes é sempre delicada: com frequência se cruza a barreira do respeito profissional. E, para piorar, existem verdades que ficam por serem ditas. Vamos a algumas delas.
O valor do trabalho
Todo trabalho deve ser cobrado de acordo com a realidade.
Por exemplo: uma pessoa vai gastar 2h para fazer um serviço para outra por R$10, resultando em um valor/hora de R$5. Em um mês padrão de trabalho, ela tem 160h totais de trabalho. Ou seja, o ganho máximo dela em um mês, caso fechasse todos os freelas com o mesmo contratante, seria de R$160 x 5. Isso quer dizer que ela teria apenas R$800 para se sustentar ao fim do mês, ou seja, menos de um salário mínimo.
Essa conta precisa ser feita. E mais, para ser um contratante respeitoso com o trabalho prestado é preciso se perguntar: ao fim do mês, essa pessoa conseguiria pagar um aluguel? Fazer as compras do mês? Pagar um colégio (ou pelo menos metade dele)? Ela conseguiria sobreviver com o valor/hora que eu estou pagando a ela? Se a resposta é não, comece AGORA a repensar a sua ética de trabalho.
Eu entendo: isso é capitalismo e, no fim das contas, você quer ficar rico. Mas o freelancer também quer! Portanto, não levante a bandeira do empreendedorismo se você não paga de acordo os seus fornecedores. Não fale em nomadismo digital se você não permite que um nômade consiga se sustentar.
A noção do esforço
Uma coisa é certa: cada pessoa sabe as horas que gasta para fazer um trabalho e o esforço que ele demanda. Se você não está se predispondo a fazer o serviço e prefere contratar alguém para isso:
A) Você não sabe executar essa tarefa
B) Você sabe fazer e entende o esforço que demanda, mas não está disposto a gastar o seu tempo executando essa tarefa
Seja a sua alternativa A ou B, não cabe a você dizer o quanto o freelancer deve cobrar por um trabalho. Afinal, um freelancer bem escolhido é um especialista na área. Se você não teria esse comportamento com um médico ou um advogado (que em boa parte são autônomos também), não faça isso com o seu fornecedor.
Eu já fui essa pessoa, mas, ainda bem, estamos aqui para aprender e evoluir — e você também pode! Entendo que é frustrante quando algo impacta no bolso, mas é preciso também pensar em quanto aquilo demanda do produtor. O valor que ele te passou nada mais é do que a medida do esforço dele, é algo pessoal. Quando você faz menos do esforço de alguém para realizar um trabalho, você está desvalorizando a própria capacidade do profissional.
Mais do que isso, o freelancer na maioria das vezes está ocupando múltiplas posições de uma só vez. Se você contratar uma empresa (que cobraria beeem mais caro pelo mesmo serviço), uma pessoa de negócios faria o orçamento e definiria o escopo do projeto, outra pessoa do financeiro cuidaria das questões de cobrança do pagamento e emissão da nota fiscal do serviço e uma terceira se encarregaria do contato com o cliente, para garantir que o trabalho foi aprovado ou pedir as alterações necessárias. Ou seja, o executor mesmo ficaria responsável apenas por entregar o serviço de acordo com o pedido e no prazo combinado. Já o freelancer, ele gasta tempo produtivo para dar conta de todas essas tarefas — inclusive de responder o seu WhatsApp às 21h de domingo — e, na maioria das vezes, ainda cobra mais barato. Portanto, antes de reclamar do orçamento, saiba que você está pagando por um pacote completo.
Não aja com soberba, é preciso de equilíbrio nos dois lados dessa relação. A realidade é que você precisa tanto do trabalho do freelancer, quanto ele do seu dinheiro. Se não precisasse, não estava demandando, não é mesmo?
Se o preço te desagradou, você pode aprender a fazer por si mesmo e não contratar ninguém. Também é possível cotar a mesma tarefa com outros profissionais. E, por fim, sempre existe a opção de agradecer o orçamento e não fechar negócio, sem ser desrespeitoso e ofender ninguém.
O “favorzinho”
Infelizmente, a noção do esforço cria problemas também nos relacionamentos com amigos e familiares. Afinal, todo mundo tem um amigo pra criar uma logomarca pra sua empresa ou aquela prima que faz doces para festas, por exemplo.
Assim como acontece com os clientes, é comum que amigos e parentes venham pedir algum serviço como um “favorzinho” ou dizendo que “é rapidinho”, desconsiderando que qualquer trabalho exige profissionalismo e dedicação mínimas que sejam. E o “favorzinho”, é claro, já presume que o trabalho será feito gratuitamente ou com um descontaço.
Mas vamos deixar algo claro aqui: todo trabalho deve ser pago, não importa quem está demandando! Afinal, cada hora gasta pelo freelancer para te ajudar poderia estar sendo usada para ganhar um valor justo com outro cliente.
Já que você optou por pedir a ajuda de uma pessoa próxima, valorize o trabalho dela! Ninguém gosta de trabalhar de graça.
Qualidade = tempo + investimento
A fórmula é bem didática: para te oferecer um bom trabalho, a pessoa precisará dedicar tempo ao serviço e ter know-how de como fazê-lo, algo que só se obtém com investimento.
Quando você contrata um profissional, não está pagando só pela entrega, mas pela qualidade dela também. Essa qualidade é fruto de anos de investimentos em graduações, cursos de especialização, participações em eventos, compras de livros e horas gastas com leitura e estudos.
Se você escolheu um profissional é porque a entrega dele te passou segurança e demonstrou qualidade. Logo, houve muito investimento feito e muitos anos no mercado de trabalho aprendendo e ganhando bagagem para conseguir fazer uma entrega nessa qualidade. Tudo isso é refletido no valor do trabalho!
Quer pagar menos do que o valor orçado, porém ainda quer aquele profissional por conta da qualidade do seu trabalho? Ofereça um pagamento prévio de 100% do valor para pedir um desconto. Ou ainda, pense qual parte do projeto você pode cortar para que a sua demanda esteja de acordo com o que pode pagar.
E sempre existe também a opção de escolher outro profissional menos experiente para fazer o serviço. Porém, saiba que, ainda que existam jovens profissionais muito bons em todas as áreas, sempre há o risco de a falta de expertise ou de bagagem de trabalho refletir na qualidade da entrega que você quer receber ou no profissionalismo para lidar com ela.
Aos freelas, com carinho
Ao amigo autônomo, que passa por esses perrengues e vive disso, aqui vão dois pedidos encarecidos.
Primeiro de tudo, antes de definir o preço de um trabalho, considere o seu estudo, o quanto você já aprendeu na prática. Tente pensar quanto uma pessoa novata teria que caminhar até chegar no seu know-how acumulado. Valorize o seu caminho!
E segundo, sempre que a oferta do cliente for surreal e abaixo do que você considera justo cobrar, se tiver condições financeiras de fazer isso, não pegue o trabalho. Cada vez que nos vendemos por preços abaixo do ideal estamos ajudando a prostituir o mercado. É chato, mas criar consciência na cabeça do cliente e educar sobre os preços reais praticados também depende de nós.
De resto, voem alto. ❤