As companhias das mulheres que amam demais

Julia Asenjo
Revista Subjetiva
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3 min readSep 30, 2019

Levou um tempo pra que eu me diagnosticasse efetivamente como uma mulher que ama demais. Foi um processo instável, e quase sempre desconfortavelmente acompanhado. Minha primeira companheira foi a Vergonha, e durou bastante. Ela aparecia todas as vezes que eu extrapolava em alguma reação ou externalizava demais algum sentimento. Era tiro e queda, toda vez que eu exercia algum exagero, ela vinha, e trazia a amiga dela, a Culpa.

O processo já estava decorado, e mesmo assim, seguia recorrente. Uma relação despretenciosa surgia, eu me apegava além da conta, me envolvia com as expectativas e transbordava cafonices e sentimentalismos. Eram mal recebidos, quase sempre, e vinha a Vergonha me dizendo que tudo aquilo tinha sido humilhante e desnecessário. Depois a Culpa entrava em cena e me convencia de que aquela relação poderia ter sido algo, se eu não tivesse estragado tudo com a minha avalanche de demonstrações de afeto.

Felizmente, com os anos e as sessões de terapia, fui desapegando dessa amizade tóxica com a Vergonha, e aceitando minha intensidade natural, típica das mulheres que amam demais.

Andei sozinha por um tempo, aguentando com dificuldade todo o peso dos meus sentimentos, até que uma nova companheira apareceu. Eu e a Ansiedade parecíamos feitas uma para a outra. Era um rapazinho novo me dar oi na rua, que a Ansiedade já criava nóias, antes que eu pudesse assimilar os sentimentos envolvidos.

Ela me fez surtar por pessoas que eu não gostava e afastar os homens que eu de fato estava amando. Aliás, não era ela sozinha. O Medo também fez parte desse combo desnorteante. Eu só conseguia ouvir, pensar e ver as coisas ruins, como se todos os meus sentidos estivessem condicionados a filtrar apenas sinais negativos, de que aquele relacionamento não daria certo, de que ele não me queria de verdade, de que talvez nem eu o quisesse tanto assim.

Diferente da Vergonha, a Ansiedade e o Medo me fizeram tentar negar que sou uma dessas mulheres que ama demais. Entrei completamente na bolha da negação e até fazer joguinho eu tentei fazer. Dia sim, dia não rolava uma autossabotagem e volta e meia eu me pegava no meio do sexo questionando que diabos eu estava fazendo ali, ou se alguma vez na vida seria possível sentir alguma coisa de novo. Eu, uma mulher que ama demais, desconexa dos sentimentos.

Custou, viu? Sair dessa vala angustiante. Tenho que reconhecer os esforços quase ilimitados da minha terapeuta e a paciência, não tão ilimitada assim, das minhas amigas. Mas finalmente, eu cheguei a um novo contexto, nunca antes vivido por mim.

Hoje ando acompanhada do Orgulho. Me sinto forte em ser uma mulher que ama demais. Reconheço que somos resistentes, porque tem todo um mundo ai do desinteresse cismando em tentar apagar nosso fogo no rabo. É claro que volta e meia a Ansiedade aparece, naquele tom de "oi, sumida" e treme minhas convicções, mas, de um jeito diferente de antes. Não tento mais negar que sou uma mulher que ama demais, fico tensa, as vezes, com a possibilidade daquele novo ser na minha vida não saber lidar com o que eu sou, mas entendo que, se for o caso, melhor assim.

Talvez o Orgulho me abandone em algum momento, mas me sinto tranquila com essa possibilidade. Acho difícil aparecer qualquer companhia que me faça negar o que sou. Uma mulher que ama demais.

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Julia Asenjo
Revista Subjetiva

jornalista carioca que não sabe disfarçar. Me acho interessante por saber sofrer por amor.