As Críticas Solitárias, Simmel e Práxis

Lara Pirro
Revista Subjetiva
Published in
5 min readDec 5, 2019
Dicio.com.br

Ultimamente tem-se visto uma significativa quantidade de pessoas tecendo críticas a movimentos de ideologias liberais, como por exemplo: o feminismo liberal. Entretanto, a crítica, sozinha, não serve de muita coisa se o debate não sair da superficialidade dos 150 caracteres, ou se o indivíduo não identifica no discurso tendencioso e eleitoreiro o teor liberal das ideias.

É importante que essas duas coisas andem juntas. Assim como, que essas duas sejam parceiras da práxis.

O discurso liberal é facilmente vendido e facilmente comprado. Ele se orienta em torno de diversos aspectos e um deles é a liberdade. É um discurso em ascensão quando percebemos a sociedade em que vivemos. Para perceber nossa sociedade, existem várias formas, mas aqui proponho através das lentes de Simmel.

O sociólogo alemão, Georg Simmel, considerado por muitos um dos clássicos da sociologia, nos trouxe contribuições importantíssimas para essa reflexão; algumas delas são: As Grandes Cidades e a Vida do Espírito e O Dinheiro na Cultura Moderna.

Georg Simmel

Simmel aborda a impessoalidade entre os indivíduos da cidade grande, evidencia a presença da objetividade nas relações do que ele chama de “vida nervosa”. Nas palavras do escritor: “Talvez não haja nenhum fenômeno anímico reservado de modo tão incondicional a cidade grande como o caráter blasé.”(1896).

Identifica com o termo “blasé”, o indivíduo cansado por trás da vida nervosa na cidade moderna. Em outras palavras, o autor não deixa de pontuar a antipatia presente nesta população, assim como apego ao valor das coisas e como o dinheiro passa a mediar, de certo modo, determinadas relações, como as de posse e pessoas.

“A arrogância blasé de nossas classes que têm dinheiro é somente um reflexo psicológico desse fato. Eis por que elas têm, agora, um instrumento que permite, apesar da sua indiferença uniforme, comprar o mais variado e o mais especial. E a sensibilidade sutil para as atrações específicas e individuais das coisas atrofia-se mais e mais, porque a pergunta sobre o valor qualitativo está cada vez mais reprimida, nessas classes, pela pergunta sobre o valor quantitativo, pois exatamente isso é a arrogância blasé: não reagir mais às diferenças e propriedades específicas dos objetos com uma graduação correspondente da sensação, mas sim senti-Ias de maneira nivelada e, por isso, com uma coloração abafada sem amplitudes significantes de contrastes.” (SIMMEL,1894)

Lonely Cities, Zachary Johnson

Um dos termos cunhados por Simmel, é o da reserva, identificada como uma estranheza e antipatia mútua dos habitantes, que no instante de um contato próximo, poderia resultar em ódio. Visto que numa cidade grande não há como conhecer a todos e nem como não conhecer ninguém, o sentimento de insegurança, por sua vez, coloca a antipatia como uma suposta proteção frente ao desconhecido.

A liberdade fica, então, numa posição delicada. O que aparece como dissociação é apenas uma das formas elementares da socialização.

Quanto à relação monetária, o autor nos diz que o indivíduo consegue se desprender de determinados tipos de dependência, entretanto, acaba por criar outras formas de dependências mais sofisticadas, como por exemplo, a de servir ao mercado. Foi posto por Simmel, que a relação monetária, por sua vez, representa o ápice da individualização humana.

“O dinheiro é nada mais que a ponte para os valores definitivos, e não se pode morar sobre uma ponte.”(SIMMEL, 1896).

“Pelo fato de cada vez mais coisas poderem ser compradas com dinheiro, alcançadas por meio do dinheiro, apresentando-se este, em consequência, como polo imóvel na fugacidade das aparências, negligencia-se, muito frequentemente, que os objetos das transações econômicas têm ainda aspectos não exprimíveis em dinheiro; acredita-se, muito facilmente, que se possui no valor em dinheiro o equivalente exato e total do objeto.”(SIMMEL, 1894).

Através de ótica de Simmel podemos perceber que o discurso da liberdade individual e autônoma configura-se como uma mercadoria em seu melhor ambiente para ser comercializada. Uma vez que, a sociedade moderna tem como característica a dinâmica da vida nervosa, anteriormente conceituada pelo autor, e a busca pela constante produtividade.

É importante que façamos o exercício de pensar em dois aspectos antes de tomar para si qualquer ideia, são eles: a quem esse discurso serve a partir dos efeitos práticos dele? E esses efeitos práticos são verdadeiramente benéficos ou problemáticos?

Quando refletimos em efeitos práticos, é importante também que retornemos a alguns autores através do termo; práxis.

A práxis diz respeito ao movimento prático, material, que nossos pensamentos tomam a partir das nossas ideias, ou seja, são as nossas ações refletindo os nossos posicionamentos.

Nas palavras do filósofo brasileiro, Leandro Konder:

[…] a atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva e, para poderem alterá-la, transformando-se a si mesmos. É a ação que, para se aprofundar de maneira mais consequente, precisa da reflexão, do autoquestionamento, da teoria; e é a teoria que remete à ação, que enfrenta o desafio de verificar seus acertos e desacertos, cotejando-os com a prática (KONDER, 1992, p. 115)

A “filosofia da práxis” é uma expressão que define uma das primordiais características do marxismo; a inseparável relação entre a teoria e a prática, ou seja, as ideias e as ações.

A práxis freiriana, apresentada por Paulo Freire, por exemplo, não trata a teoria como algo separado, mas como complementar a prática, unindo-as através da dialética. Na Pedagogia do Oprimido, Freire nos fala sobre dois momentos:

“O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se, na práxis com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia dos homens em processo de permanente libertação” (FREIRE, 1987, p. 41).

O autor compreende a existência de uma necessidade em tecer críticas aos neoliberais, mas não acredita, de modo algum, que somente as críticas sejam a solução. Elas podem compor ideias, mas é importante que também fundamentem ações. Reafirma-se a importância de identificarmos as ideias liberais nos discursos, criticá-las e de, também, buscar o campo da oposição organizada.

“Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo” (MARX, 1924).

--

--