As eleições de 2018 são uma estaca no coração do jornalismo

Carlos Massari
Revista Subjetiva
Published in
5 min readOct 5, 2018
Fake news sobre o “kit gay” estão entre as preferidas da direita

Nunca me esqueci de uma discussão em sala de aula que aconteceu em 2016. Eu fazia a minha pós graduação em jornalismo esportivo e foi apresentada a evolução através dos anos de uma pesquisa sobre “quais meios as pessoas mais usam para se informar”. Jornais, revistas e emissoras de televisão, antes soberanos, vinham categoricamente perdendo espaço e, já naquele ano, a liderança era do Facebook.

Depois, discutimos na sala se víamos aquilo no nosso dia-a-dia. Alguém citou que conhecia uma pessoa que costumava falar “você viu o que deu no Facebook?”. Nós, jornalistas, ficamos chocados. “O Facebook não dá nada!”, “São pessoas aleatórias que escrevem o que querem lá!”, “As pessoas precisam voltar a se informar por veículos sérios!”. Essa revolta, porém, foi passageira. Nenhum de nós naquela sala deve ter se atentado para o que realmente se desenhava para o futuro.

Quarta-feira, a Veja divulgou um dos levantamentos feitos pelo último Datafolha que mostra que 60% dos eleitores de Jair Bolsonaro se informam pelo WhatsApp. Não é nem mais o Facebook, no qual as pessoas pelo menos tem um rosto e você provavelmente vai conseguir checar a origem da informação. É o WhatsApp, onde correntes absurdas são compartilhadas tantas vezes que se torna uma loucura tentar descobrir de onde veio alguma nova suposta notícia.

Saindo um pouco de dados reais e entrando em impressão pessoal, eu acredito que a maior parte dessas pessoas que se informa pelo WhatsApp tem o mesmo perfil: ou possui baixa escolaridade, ou idade mais elevada (provavelmente não são os chamados nativos digitais), ou os dois. Não são pessoas ruins, e isso é um ponto fundamental. Mas são pessoas, na maior parte dos casos, sem discernimento para perceber que o que ali se compartilha não tem nenhum valor jornalístico.

Mas sabendo disso, a campanha de Jair Bolsonaro foi suja, mas genial. Diariamente, são implantadas centenas de fake news no WhatsApp. Elas fazem acreditar que as passeatas #EleSim estavam lotadas e as #EleNão vazias e habitadas apenas por quem queria ver trios elétricos, que Fernando Haddad defende mamadeiras eróticas e que as crianças sejam propriedade do Estado, que Chico Xavier previu a vitória do candidato fascista, entre outras coisas que não precisam de muita análise para se saber que são absurdas. Mas por não saberem que aquelas não são notícias oficiais, as pessoas acreditam. O El País trouxe aqui uma lista e falou dessa fábrica de mentiras.

E, pior, a campanha passou a usar dessas correntes de notícias falsas no aplicativo para desmentir trabalhos jornalísticos sérios. É o caso da reportagem da Veja da última sexta-feira, que trazia o caso da ex-mulher de Bolsonaro. Cheia de documentos oficiais e provas consistentes, ela é desacreditada por um vídeo completamente absurdo da candidata Joice Hasselmann dizendo que a revista recebeu 600 milhões de reais (A Time foi vendida por 180 milhões!) para caluniar o candidato. Sem qualquer fonte, sem qualquer prova. E é nisso, e não no jornalismo, que as pessoas acreditam.

Todos os grandes veículos de comunicação do Brasil acham quase que diariamente podres relacionados a Bolsonaro. A Folha de São Paulo, a própria Veja, o El País, o UOL, a Globo. Todos eles, segundo essa horda, estão trabalhando a favor do comunismo. É o que foi visto no WhatsApp. O mais trágico dessa história é que boa parte desses veículos sempre foram alinhados à direita.

Em algum momento, nós não percebemos o que acontecia. O jornalismo perdia sua credibilidade para o WhatsApp. Fontes e documentos não significam mais nada perto de vídeos que não se sabe quem está falando e de onde saiu a informação. Quando foi publicada a notícia da Veja sobre Bolsonaro, eu pensei que a campanha do candidato seria arruinada. Pelo contrário: as fake news do aplicativo fizeram com que a horda acreditassem em conspirações contra ele e até aumentaram sua popularidade.

E de repente, nós estamos na semana de uma eleição que talvez seja a mais importante da história do país. Precisamos derrubar o fascismo que, através do candidato repulsivo que é Bolsonaro, se emaranhou na população. As manifestações do #EleNão foram muito bonitas, mas elas são só o começo. Vai existir muita luta pela frente para derrubar algo que é tão sujo, tão asqueroso, que joga com a manipulação de uma parte da população que não sabe distinguir o que é jornalismo sério e o que é invenção de aplicativo.

Mas vocês se lembram do que eu disse lá em cima? A maior parte dessas pessoas que votam em Bolsonaro não são ruins. Existe, sim, gente terrível que compartilha dessas ideias repulsivas, mas provavelmente seu vizinho, seu parente, seu amigo ou seu conhecido que afirma querer a vitória do candidato apenas está imerso na enorme onda de notícias falsas compartilhadas na Internet. E é aí que entra o nosso papel: precisamos conversar, ter paciência, mostrar a realidade. Cada voto tirado dele é uma vitória.

Primeiro, precisamos derrotar o fascismo. Custe o que custar, temos que impedir a eleição de Bolsonaro. Desde a restauração, nossa democracia nunca esteve em tanto perigo, bem como as vidas das mulheres, das pessoas LGBT, dos negros e dos pobres. O medo é real, e ele é movido por tudo o que representam as ideias de ódio do candidato. Pelo que as ruas mostraram no último sábado, isso é possível.

Mas depois, precisamos retirar essa estaca do coração do jornalismo brasileiro. Nós, jornalistas, temos que entender onde erramos. Quando que veículos sérios passaram a ter menos credibilidade que redes sociais? Qual a raiz desse fenômeno? Por que fontes e documentos não importam mais? Há uma série de teorias que podem ser pensadas, mas esse quadro não será revertido sem um panorama realmente preciso de toda a situação.

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Carlos Massari
Revista Subjetiva

Jornalista, roteirista, escritor. Falo aqui sobre cinema e os esportes que não falo em outros lugares.