As paralelas não se encontram no infinito
Sabe que a gente se engana,
teu vestido de juta bordado a mão
comprado numa feira hippie te deixava
meio hipster naqueles tempos neocons
e eu buscava nas canções antigas
a simplicidade do que sentia por você.
Nunca soube me desvencilhar das palavras
ou interpretá-las no seu contexto,
perdoe a ingenuidade.
Qual a dificuldade de nos expressarmos
com alguma sinceridade?
Sei que esta coisa de destino
nos amarra a sonhos bestas
que nos aprisionam em expectativas
de gente que não se importa conosco.
Teu vestido de juta com bordados coloridos
te deixava com cara de india,
parecida com uma princesa inca pré-colombiana.
Não sei por que me deixei enfeitiçar
irremediavelmente por esta imagem,
mas isto não tem nenhuma importância.
Nada deste acervo de experiências,
ou deste amontoado de memórias
tem qualquer importância.
Ninguém se importa se você esteve em Paris
naquele verão fazendo um curso de arte
nem que fugiu de um espanhol maluco
na contramão daquele cruzamento em Tokio e quase foi presa.
Ninguém quer saber como seu cabelo
ficou embaraçado com o vento do Golfo do México
depois que o furacão Andrew passou pela Flórida
ou como parecíamos deslocados
como um judeu em Berlim
naquela manifestação de hooligans supremacistas em Londres.
Acho que nós dois juntos
nem juntos estávamos
nem erámos dois
nem erámos nada.
Você parecia aproveitar o seu tempo
e eu pensava em amor eterno.
Sinto-me um tolo
por imaginar amores eternos
naquelas noites mal dormidas
com você entupida de ansiolíticos.
Eu nunca soube lidar
com teus traumas
nem interpretar teus recalques.
Sou tão simples,
amo porque amo e, portanto,
me entrego sem concessões,
me permito sem reservas,
sem defesas antecipadas
e me deixo enganar
o que não me exime das responsabilidades.
Sei que baixei a guarda,
mesmo quando todas as luzes piscavam
no painel de controle,
e me deixei enfeitiçar
por aquele vestido de juta bordado a mão
que cobria teu corpo
numa tarde de verão.
Que estúpido.
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