As rotas da literatura

Leandro Marçal
Revista Subjetiva
Published in
3 min readAug 14, 2018

O futuro lembra a descida da serra em dia de neblina. Não dá para enxergar nada, percebemos um carro à frente quando faltam poucos metros. Podemos ter luzes como guia, mas as chances de bater em um muro ou traseira de outro veículo é constante. Dá medo, mas precisamos chegar ao destino, impossível ficar parado.

Em tempos nebulosos, quando o intelecto é desvalorizado ante truculências de multidões ignorantes, o caminho da literatura parece um cenário de Silent Hill. O desespero bate à porta entregando correspondências sobre o analfabetismo funcional gritante de um país com proporções colossais, do mesmo tamanho que suas mazelas.

Quem se dedica a juntar palavras para ganhar a vida ou a eternidade é tido como louco, já que a média de compras de livros e seu consumo é infinitamente menor que o ideal.

Pois bem. Se a esperança é a última que morre, aviso aos navegantes uma sobrevida desse bem intangível, por vezes inalcançável pelos acusados do crime lesa-pátria de pessimismo .

Nos dias em que me dirigi à 25ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, me deparei com multidões. Cheguei a pensar se ali não estavam todos os leitores do país, reunidos em um único lugar. Evidente que não.

Na abertura do evento, passeei por estandes com obras de autoajuda, ficção, reportagens, clássicos, contemporâneos, filosofia, outras ciências, livros didáticos. Folheei livros velhos e outros com aquele cheiro conhecido.

Li placas anunciando exemplares a R$5, R$10, R$20, R$40, R$50. Claro, de diversos segmentos. Usados, novos, recém-lançados. Autografados, agradecidos. Multidões fazendo filas para encontrar seus autores da moda por ali. Que eu desconhecia, mas que tinham lá seu público fiel e impressionado com a capacidade de se identificar com alguma mensagem ali presente.

Confesso ter até me assustado com publicações que estavam bem longe de ser do meu agrado, e perplexo por ver que tanta gente os consumia. Por outro lado, as portas de entrada para a literatura não são as mesmas para todos nós. Umas nos fariam entalar, em outras passamos com uma facilidade absurda. Importante é chegar ao caminho.

Na saída da estação Portuguesa-Tietê, a fila dobrava a esquina para pegar um dos ônibus que transportava gratuitamente os ávidos leitores para o Anhembi. Um fiapo de esperança renasce a cada páginas aberta. Os leitores estão aí, ao seu lado.

Pode ser aquele colega que fala de qualquer assunto, a amiga que dispensa o celular para percorrer os olhos em linhas bem diagramadas no transporte coletivo diário.

Vi lugares cheios de pessoas entregando senhas para as palestras de quem já publicou. Outros perguntavam se essa e aquela obra estavam disponíveis para comprar estande.

Evidentemente, o aspecto comercial das editoras que ali ergueram suas barracas estava presente. Podemos debater em alto nível os rumos do mercado editorial e suas mazelas. Mas, só de pensar em um evento da literatura, em gente interessada por ela, dá para respirar um pouco mais. Não digo aliviado, mas com vontade de sentir ar puro.

Foi como se alguém derramasse açúcar em um ambiente limpo. Em poucos minutos, as formigas se amontoariam por ali. Cada uma fazendo sua parte, atrás de seu livrinho, em um trabalho pequeno. É aos poucos que se faz a diferença. Afinal, ler torna o mundo mais doce.

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Leandro Marçal
Revista Subjetiva

Um escritor careca e ansioso. Autor de “De Letra: o futebol é só um detalhe” e “No caminho do nada”. Cronista no Tirei da Gaveta (www.tireidagaveta.com.br).