As verdades jogadas dentro da cesta azul da farmácia

Julia Asenjo
Revista Subjetiva
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3 min readApr 15, 2019

Entre um senhorzinho barrigudo e uma mulher impaciente que batia o pé com afinco, eu encarava minha cesta azul de farmácia na fila.

· Pílula do dia seguinte

· Engov

· Red Bull

· Barra tamanho família de chocolate com caramelo

Caralho, que merda eu estou fazendo da minha vida?

Foi um baque desses pesados que me pegou na fila da farmácia, epifania no estilo Clarice Lispector. Entrei mentalmente num monólogo na 3ª pessoa, 75% esporro e aqueles 15% auto piedade. Surpresa com o rumo que minha vida tinha tomado, porém mais chocada ainda com o fato de só ter ficado aparente pra mim a situação agora, na fila da farmácia, meia hora atrasada para o trabalho e com o cabelo cheirando a maconha. Nem banho eu tomei. Francamente.

Custava tomar a pílula certinha? Ou pelo menos lembrar se rolou camisinha? Ou ter a coragem de perguntar pro fulano? Provavelmente teve, sabe, sou a doida da camisinha, geralmente o cara ta me beijando e eu já to com ela na mão. Teve camisinha, eu acho. Mas sem lembrar com certeza não tem como confiar no acaso, ele não anda sendo muito generoso comigo. Caralho, aqui eles nem tem a dose única do remédio, vou ter que passar pela humilhação da lembrança de um possível sexo inseguro não uma, mas duas vezes.

Agora eu me pergunto, foi bom? Sexo delícia? Valeu a pena o estresse, o atraso no trabalho, a carga de hormônios extra dessa pilulazinha maldita? Com a pouca memória que me resta, pairando entre a enxaqueca e a vergonha, posso apenas apostar que foi uma transa meia boca, considerando meu histórico recente.

Será que vai dar mais de 30 reais tudo isso? Porra Red Bull R$12 reais é uma puta sacanagem. Acho que tenho R$50 na conta. Posso me livrar do chocolate. É o menos necessário e é bem verdade que eu to 7kg acima do peso, mas a ressaca clama por um chocolate, um açúcar, um cúmplice de exageros.

Será que eu gastei muito ontem? Aquela “saidera” foi desnecessária, também. Todas as 5.

Mas foda-se né, sou jovem. Tenho um relatório megalomaníaco no Excell me esperando, pra ser terminado ainda hoje, chefe aflita fazendo vibrar meu celular de 5 em 5 segundos e uma ressaca monstruosa pra dar aquela temperada no mix desagradável, mas tá sussa, sou jovem. Inconsequente, irresponsável, altamente autocrítica e jovem.

Eu mereço tanto esse chocolate.

Esse cheio é do meu cabelo? Puta que pariu… será que tá tão ruim assim? Eu sou uma denúncia do uso de drogas ilícitas ambulante, que vergonha. Vergonha de todo esse momento que parece que já dura horas. Que fila é essa, senhor?

Nunca achei que com 25 anos eu estaria assim. Inclusive, eu achei que estaria casada, porra. Casada, grávida e bem empregada. De onde foi que eu tirei essas expectativas conservadoras, minha gente?

- Próximo! — grita a mulher do caixa 4.

Será que ela está chamando já tem tempo? Que merda, agora ela vai prestar mais atenção às minhas compras. A moça vai saber que eu fiz sexo inseguro, estou de ressaca e não ligo pra minha saúde. Vou olhar e sorrir. Uh, plaquinha com nome, Marília. Ai Marília, não me julga não, tá difícil lidar com as coisas.

- A noite foi boa hein… é só isso, filha?

Marília do céu que invasão é essa? O que foi que eu te fiz? Precisa dessa agressividade toda, chegar assim já com pé na porta? Nem sua filha eu sou, moça, pega leve com meus erros da juventude.

Ah porra não fode, eu sou jovem pra caralho.

- Não, quase esqueci isso aqui, de novo né — sorri e joguei um pacote de camisinha na cesta.

Afinal, além de jovem, sou debochada pra caralho.

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Julia Asenjo
Revista Subjetiva

jornalista carioca que não sabe disfarçar. Me acho interessante por saber sofrer por amor.