Babá famosa

O trabalho a fez conhecer mais de 80 lugares diferentes pelo mundo

Camilla Daros
Revista Subjetiva
8 min readJun 27, 2018

--

A Jamaica foi um dos últimos lugares internacionais que Jeneci visitou antes de retornar ao interior do Paraná. Foto: arquivo pessoal.

Quase todo mundo sonha com um trabalho prazeroso, onde se faz o que gosta, e ainda possa aprender coisas novas todos os dias. Jeneci Ferreira, ou Ge, como é chamada pelos familiares e amigos, hoje tem 51 anos e dois passaportes carimbados nos mais diversos aeroportos do mundo. Seu trabalho permitiu que ela desfrutasse de inúmeras viagens internacionais, muita gente famosa, hotéis luxuosos e, claro, bebês.

A “babá famosa”, como alguns a chamam, iniciou sua carreira há 17 anos. As necessidades da vida colaboraram para que tivesse mais de 80 carimbos de locais diferentes em seus passaportes, e incontáveis voos pelo mundo todo. Ela morou em Luxemburgo, Genebra, Milão, Madri e passou uma pequena temporada em Nova Iorque. Mas nem tudo foi um mar de rosas.

Jeneci se divorciou e, sem alternativa, teve que arrumar um emprego que pudesse sustentar os três filhos, com 16, 15 e 9 anos de idade na época. Com a indicação de uma amiga, em fevereiro de 2001 deixou as crianças com os avós, no interior do Paraná, e foi para São Paulo, trabalhar de cozinheira para a família Matarazzo. Ganhando apenas um salário mínimo, que na época era R$600,00, ficou por poucos meses na casa. A família, amigos e vizinhos de Jeneci a apoiaram o tempo todo e ajudaram a cuidar dos três filhos.

Em um encontro com amigos, Jeneci comentou que gostaria de trabalhar como babá, pois o salário era melhor. Com a experiência dos três filhos e de um ano sendo babá de gêmeos antes de ir para São Paulo, a tarefa era a mais adequada. Os amigos passaram contato de algumas famílias e, em pouco tempo, Jeneci marcou duas entrevistas. Ela teve a possibilidade de escolher com quem trabalhar, e optou por cuidar da pequena Sofia, até então, filha única da nova família. Sofia marcou muito a vida de Jeneci por ter sido o primeiro bebê que cuidou em São Paulo.

Faziam alguns meses que estava nesta família quando, em um passeio pelo parque Villa Lobos, em São Paulo, foi abordada por uma mulher à procura de babá. Jeneci indicou uma amiga, também do Paraná, mas não deu certo. A mulher precisava de uma pessoa disponível a realizar viagens internacionais com a família. Jeneci então fez a entrevista e foi contratada por R$400,00 a mais do que ganhava com a família anterior, e cuidou de Pedro Cunha por dois anos e oito meses.

No mesmo condomínio da família Cunha morava uma senhora muito amiga de Jeneci, e um dia a proposta chegou. “Ge, eu gosto de você, você é uma pessoa mais reservada, não se mistura muito, não fica fazendo rodas de fofoca, então eu gostaria que você fosse trabalhar para a minha filha que mora em Luxemburgo, na Europa”. Jeneci ficou assustada com a proposta e negou. Passados dois meses, a senhora conversou com Jeneci sobre o mesmo assunto, e após um mês voltou a insistir.

“Para mim era assustador, ir embora fora do Brasil, nem pensar. Fui embora na intenção de ficar apenas um ou dois anos e, só na família Cunha, fiquei quase três anos”.

Em uma viagem ao Paraná, visitando os filhos, Jeneci contou a eles a proposta, e como o salário seria mais alto, os filhos a incentivaram.

“Meu objetivo: dar faculdade para os meus filhos, dar aquilo que eu não pude ter, além de que eu os sustentava sozinha, e como eles não foram contra, me apoiaram, mesmo com o coração partido, eu decidi: se vocês acham que eu posso ir, eu vou. Virei guerreira e mais corajosa do que eu mesmo pensava”.

Em uma visita da família estrangeira ao Brasil, Jeneci conheceu, além dos pais, os dois meninos do casal Sonoda. A mulher estava grávida de uma menina, Lara. Jeneci foi embora com a família no dia 04 de abril de 2005.

Ainda com a família Cunha, Jeneci fez duas viagens internacionais, à Paris e Portugal. No dia 03 de abril, embarcaria à noite para Luxemburgo, e a ideia de viajar por muito tempo num avião não era problema para ela, pois já tinha feito viagens longas. Naquela manhã de terça-feira, Jeneci acordou muito cedo, pois havia sonhado que o avião em que estaria mais tarde caía. Já no aeroporto, o avião que embarcaram era um Boeing 767 com mais de 300 passageiros, e teve problemas na decolagem. O voo foi remarcado para o dia seguinte, 04 de abril.

Sem cidadania europeia, a cada três meses, Jeneci tinha que retornar ao Brasil, pois o visto era de turista. Ela viajava sozinha e passava uma semana com os filhos, no Paraná.

Após oito meses em Luxemburgo, o patrão de Jeneci, Eduardo Sonoda, diretor do banco Safra, abriu um banco próprio em Genebra, na Suíça. A família então se mudou para lá. Na Suíça, Jeneci teve um grave problema de saúde. Brincando com as crianças em um parque, onde corria, rolava na grama, dava cambalhotas, ela sentiu fortes dores no pescoço. Os dias se passaram e a dor não cessava. Eduardo então a levou ao médico, e Jeneci foi diagnosticada com hérnia de disco. Passada uma semana, a única solução para a dor era a morfina. Mais exames foram feitos, e na ressonância magnética, o verdadeiro problema apareceu: rompimento da quinta vértebra do pescoço. A solução era uma cirurgia de emergência, em dois dias Jeneci embarcou para o Brasil e, assim que chegou, foi direto para o hospital. O procedimento foi um sucesso, e Jeneci nunca mais sofreu com isso.

“Assim foram algumas aventuras, coisas muito boas que eu vivi com eles, passeios, conheci lugares como a Disney, Orlando, montanhas, os Alpes Suíços, Dubai, Mônaco, as coisas mais lindas do mundo, conheci muitos famosos, foi muito marcante, uma experiência muito boa, tem coisas que não têm preço”.

Jeneci acompanhava as crianças nos passeios de esqui, nos Alpes Suíços, mas nunca teve coragem de esquiar. Foto: arquivo pessoal.

Em uma viagem à Dubai, os Sonoda e Jeneci passaram pela Alemanha, e havia coisas suspeitas no avião em que estavam. Cerca de 25 brasileiros tiveram o passaporte apreendido, a babá era uma delas. Ela foi deportada da Alemanha e passou dois meses em casa, no Brasil, com os filhos. Para retornar à Suíça, tiveram que viajar aos Estados Unidos primeiro, mas não tiveram mais problemas com isso.

Por ser um homem muito rico, Eduardo e a família ficavam nos melhores hotéis do mundo. Tudo isso era “coisa de cinema, de filme”. Ficavam sempre em hotéis presidenciais.

“E ele falava para mim: Ge, você tem noção de onde você está com nós? Você pensava que isso fosse acontecer um dia na sua vida? Ele era muito legal”.

Os carros que a família usava para ir a restaurantes e passeios eram limusines. O mordomo buscava Jeneci e Lara no quarto, e levava até a bolsa de mão.

“Independente de ser uma babá ou não, eu era tratada como madame, coisa de princesa, de outro mundo, e eu vivi momentos de princesa no meu trabalho”.

Assim, se passaram quatro anos com a família Sonoda.

“Muitas aventuras, muitas coisas gostosas, muita molecagem com essas crianças, com a Lara, uma família que, para mim, foram os melhores patrões que tive na vida. Eduardo Sonoda foi um pai, uma pessoa muito boa mesmo, de coração, em todos os sentidos, sempre me ajudou, deu apoio… ele sempre foi um pai para mim”.

Nas inúmeras visitas aos parques da Disney não eram só as crianças que se divertiam. Entre um momento e outro, Jeneci podia desfrutar de muitos privilégios. Foto: arquivo pessoal.

Depois de quatro anos, a babá retornou ao Brasil. Ficou no Paraná por quatro meses, e retornando à São Paulo, uma amiga de Jeneci que trabalhava com o sogro do jogador Kaká, a indicou para a família, que procurava uma babá com experiência em viagens ao exterior. Na época, Kaká morava em Milão, na Itália. Jeneci fez a entrevista com a família e foi contratada. Em Milão, ela morou oito meses, depois a família mudou-se para Madri, pois Kaká foi jogar pelo Real Madri. O tempo que Jeneci passou com essa família foi marcado, novamente, por inúmeras viagens internacionais, e assim Ge passou dois anos cuidando de Lucca, filho de Kaká.

Durante os passeios e viagens pelo mundo, Jeneci também aproveitava. Na foto, essa foi uma das vezes que visitou os parques da Disney, em Orlando. Foto: arquivo pessoal.

Jeneci também conheceu todos os jogadores da seleção brasileira na época e seus familiares. Em uma ocasião, viajou para Dubai no avião que levava apenas os jogadores da seleção e família. Ela também trabalhou com o jogador da seleção brasileira, William, com o dono da Arezzo, Alexandre Birman, que morou por dois meses em Nova Iorque, e seu último trabalho como babá foi com a família Solan.

Nos meses em que morou em Nova Iorque, Jeneci visitava a Feira Brasileira para matar a saudade do país natal. Foto: arquivo pessoal.

A cada família que deixava, Jeneci saía com o coração partido, chorando muito, mas ciente de que estava ali por um tempo determinado, e sempre em busca do melhor para si.

Novamente ao Paraná, Jeneci gerenciou um hotel, aproveitou a família e curtiu muito as duas netas. Agora, depois de quatro anos em casa, com a família, ela volta à São Paulo para trabalhar novamente, em busca de sonhos e desejos ainda não realizados. Quem recebe Jeneci lá é outra família, que terão a sorte de ter a companhia da “babá famosa”, que já saiu em fotos na revista Caras.

Assim, Jeneci volta aos poucos à sua rotina badalada de viagens e passeios extravagantes, mas sempre cheia de amor, carinho, cuidados, gratidão e simplicidade. Ela afirma que, nesse trabalho, coisas importantes têm que ser abdicadas, como a vida particular, a intimidade e, principalmente, o convívio com a família, mas no final, tudo vale à pena.

Jeneci com os filhos Vagner, Jucilaine e Janicler e as netas Isabelli e Rafaela, comemorando seus 51 anos no Paraná. Foto: arquivo pessoal.

Gostou? Clique nos aplausos — eles vão de 1 a 50 — e deixe o seu comentário!❤

Nos siga no Facebook, Instagram e Twitter.

Se inscreva em nosso canal no YouTube! Também estamos ao vivo na Twich.tv!

Leia a nossa revista digital clicando aqui.❤

Participe do nosso grupo oficial, compartilhe seus textos e adicione os amigos!

--

--

Camilla Daros
Revista Subjetiva

tudo é sobre amor — e talvez eu tenha mudado um pouco. prazer, liberdade.