Bala de pinguço
Eu devia ter já uns seis ou sete de idade,
e estava acostumada com aquela rotina
de esperar passar às quatro da tarde
me pendurar no portão de grade
na espera dos saquinhos de papel pardo,
daqueles que vinham os pães
que vó chamava de “salário mínimo”
porque eram do tamanho das minhas mãos
e metade das mãos dela.
A espera era rotina,
apesar de eu não conhecer a palavra,
o relógio batia quatro e dez religiosamente
e eu o via virar a rua
com uma sacola plástica na mão,
com aquela roupa vermelha dentro, igual de padre,
balançando devido o andar vagaroso
e às vezes um pouco desengonçado,
acho que por conta da idade,
de vô que vinha olhando pro chão,
acho que como eu,
tentando não sair da linha do trem
como se tivesse se equilibrando por cima dos trilhos.
E quando ele descia as escadas
a espera finalmente terminava,
vó sentava na poltrona marrom,
toda remendada, e ele tirava do bolso do paletó
o envelope de papel pardo com bala de canela,
pirulito de uva e “bala de pinguço”
que fazia companhia a um molho de chaves,
uma caderneta velha,
um terço
e uma caneta Bic azul.
Todo dia para mim era Cosme e Damião.
Em memória de meu avô, Antônio Damião, que eu achava que era Santo porque tinha um feriado.