Blogueira de Baixa Renda e seus olhos de deslumbre

Júlia Palhardi
Revista Subjetiva
Published in
4 min readMar 31, 2021
Divulgação: Kondzilla

Mulher. Empresária, Favelada e Criadora de Conteúdo. É assim que Nathaly Dias, ou a Blogueira de Baixa Renda, se define nos poucos caracteres disponíveis na biografia do Instagram.

Há alguns anos ela vem ressignificando a influência na internet. Hoje, após acompanhar diversas etapas da sua travessia insana, fica um pouco difícil concentrar sua missão em apenas um objetivo.

Nathaly faz tudo. E fala sobre tudo. Sobretudo acerca do que poucos falam. E falando, ela encanta uma multidão que se conecta com as dores que permeiam o “ser baixa renda no Brasil”. Nathaly dá voz ao pobre. Ecoa a nossa potência.

Ela, seu companheiro Gui, o cão Zeca, seu irmão Renatinho e sua mãe Ana Lucia. Todos integrantes da família Dias e todos componentes indispensáveis da empresa: Blogueira de Baixa Renda.

Mas o recorte que eu quero destacar, na oportunidade deste texto, diz a respeito de uma capacidade a qual admiro muito nas pessoas. Um talento que, em Nathaly, se escancara.

É sobre a sua maneira de se impressionar com as miudezas da vida. E com as grandezas também.

Olhos esbugalhados, boca aberta em sinal de espanto, seguida de um sorriso que deságua em gargalhada, contagiando a todos que a rodeiam e milhares que a assistem.

Assim como um bocejo, o espanto é contagioso. E, assistindo-a, nós quase reproduzimos a sua expressão. Sem perceber, estamos elevando as sobrancelhas e revelando um breve riso genuíno. Pronto, não há mais volta. Estamos todos contaminados com a pureza de quem enxerga beleza na momentaneidade.

Seja diante do evento da compra de um carro novo, ou de uma simples samambaia que reluz mais verde à sua casa. Seja ganhando um super mega blaster patins do Gui, ou recebendo um abraço singelo de uma criança que lhe bate à porta para conhecê-la pessoalmente. Em cada pormenor de sua rotina, transmitida através da lente das câmeras, há o testemunho de pequenos milagres.

No entanto, de todos os episódios que já tive o privilégio de acompanhar, quero destacar o vídeo que me impulsionou a escrever esse texto:

Vídeo publicado em 10 de setembro de 2020. Disponível no canal Blogueira de Baixa Renda, no Youtube.

O que para mim, e decerto para muitas outras pessoas, é algo corriqueiro e banal, já sem lá grande notoriedade, para Nathaly é deslumbrante.

No vídeo, acompanhamos ela e o Gui dando as boas-vindas a um fogão novo e um microondas também recém-chegado. Uma raridade na favela.

Êxtase! Um fogão de tampo de vidro subiu o Morro do Banco! Uma das bocas é quase do tamanho de sua cabeça. O forno é tão grande que caberia um cachorro salsicha dentro. São cinco chamas elétricas, cinco!

Por que mesmo, todos nós, proprietárias e proprietários de fogões elétricos, não mais nos impressionamos com isso no exercício diário de cozinhar?

Nathaly, que agora conquista os eletrodomésticos novinhos pela primeira vez, se impressiona. Consecutivas reações lembram a ingenuidade de uma criança que se fascina ao ganhar o exato presente que escreveu com tanta esperança, na carta ao Papai Noel.

Não tem Noel. Não tem embalagem para presente. Mas há um encontro entre duas versões que se atravessam e se confundem na linha dispersa do tempo. A Nathaly de agora é tão feliz, porque contempla os sonhos de uma menina que antes se deparava com ratos no forno do fogão, mas agora encontra luz. O forno tem luz!

Desde que assisti a esse vídeo, lembro dele em todas as vezes que ligo meu microondas. Porque a reação da Nath ao ouvir a sua melodia e o dançar do prato rodopiando é tão cativante que imediatamente tatuei a cena em minha memória.

Como escrevi no início, pessoas assim fazem parte do meu tipo preferido de gente. E essa qualidade independe da classe social. Já vi pobres e ricos se espantando com ordinariedades. Já vi ricos reconhecendo o valor de um detalhe. Também já vi pobres passando despercebidos diante do extraordinário.

De todos, os piores são os que, por algum motivo, estão anestesiados. Seja porque já viram demais e acostumaram-se com a paisagem bonita da vida, ou, do contrário, porque não revolucionaram o seu olhar para reconhecer o belo.

A Blogueira diz que lhe perguntam demais: “e quando você não for mais baixa renda?”.

E ela responde que continuará sendo a Nathaly. A Nathaly que a gente ama e conhece. A Nathaly com consciência de classe, que enxerga e defende a luta dos seus.

Blô, você pode, deve e vai, um dia, alcançar o conforto financeiro que não, não vai te tirar o título Blogueira de Baixa Renda.

Eu só espero que você jamais perca a capacidade de se deslumbrar com tudo aquilo que a maioria já se esqueceu de apreciar. Nós precisamos dos seus olhos espontâneos para voltarmos a enxergar.

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Júlia Palhardi
Revista Subjetiva

Fascinada pela arte de ouvir pessoas e transformar as sutilezas do cotidiano, em poesia. Jornalista, escritora, atriz.