Burrice generalizada e carros voadores

pensando o mundo a partir de coaches e dióxido de cloro

Coletivo Aurora Maria
Revista Subjetiva
3 min readMay 7, 2019

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No final do século passado, até o início desse século, sonhar com carros voadores era uma realidade próxima, pois foi o tempo de grandes inovações tecnológicas e científicas. Esperava-se que não só o conhecimento se desenvolveria a nível de termos carros voadores, como as pessoas ficariam mais inteligentes (a nível de conhecimento científico das sociedades ocidentais), que o conhecimento se universalizaria de forma ampla e coletiva.

Talvez 2020 tenha sido o ano imaginado para os acontecimentos tecnológicos alcançarem patamares nunca antes vistos. Faltam menos de 12 meses para chegarmos ao ano de 2020 e o que temos visto é burrice. Burrice correndo solta, desenfreada, generalizada e gritante. Parece que as pessoas perderam o medo de falar besteira; e quando digo besteira, é aquele nível mais tolo da besteira, é aquela corrente repassada no WhatsApp cheia de emojis e sem fonte confiável. Agora, eu não sei se as pessoas fazem esforço para acreditar nisso (por alguma necessidade macabra) ou se realmente o mundo nos faz cada vez mais alienados e tolos que mentiras tornam-se verdades sem esforço algum.

A internet, nosso recurso tecnológico mais universalizado, parece que serve justamente para disseminar as bobagens e mentiras: basta ver quantos canais no YouTube e páginas no Facebook compartilham conteúdos imbecis. Quando querem compartilhar informações, as pessoas falam “veja no canal de fulano”.

De forma masoquista, perco tempo vendo canais que compartilham conteúdos avisando como transfusão de sangue é venenosa. E, não satisfeita, perco tempo também vendo grupos de Facebook que alertam os perigos da vacinação: para eles, o que mata é a vacina e não a doença. A burrice se espalha mais que gripe no inverno, chega até lugares que se pensavam imunes: a venda de dióxido de cloro em sites virtuais, chamada de MMS (solução mineral milagrosa) pelos contaminados pelo vírus Influenza tipo BURR1C3, é compartilhada como uma das curas para o autismo e até AIDS.

Além disso, os cursos de coach se espalham pelo país e pelo mundo. Através de canais no YouTube ou cursos presenciais, charlatões com o título de tutores e/ou coach se veem no direito de interferir na vida do próximo, classificando as dificuldades pessoais como “crenças limitantes” e se vendo no direito de dar diagnósticos como psiquiatras ou psicólogos clínicos.

Até doutores entram na onda da desinformação: li que é possível sobreviver com 0,7 de hemoglobina, sem transfusão, apenas com vitaminas, pois a transfusão sanguínea é algo que deve ser evitado a todo custo. Isso foi escrito por um médico formado, disponível em um site que faz campanha para a não realização de transfusões. Em grupos de enfermos, vi mães e pais arriscando a vida dos filhos por acreditarem que as vacinas seriam mais perigosas que a própria doença. E com isso vemos pessoas se aproximarem da morte evitável por uma crença na burrice. Se fosse crença religiosa seria mais entendível, mas é apenas crédito fiel à ignorância.

No Brasil, a situação chega a ser calamitosa, mas é mais ou menos a tendência do resto do mundo. Tanto é que coach é sucesso nos EUA e o dióxido de cloro para a cura do autismo (e milhares de outras enfermidades) veio da gringa. Como chegamos a esse ponto? Por que no início do século estávamos esperançosos com a disseminação do conhecimento e hoje nos deparamos com a ignorância generalizada? Justamente em um momento onde o acesso ao conhecimento se pretende universal, universal mesmo é a burrice.

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