Café de sapo

Carlos Barth
Revista Subjetiva
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3 min readJan 14, 2021
Fuzileiros americanos bebem café na Segunda Guerra. Fonte: https://worldwar2database.com/gallery/wwii1681

Naquele dia estava saindo de serviço na guarda interna e tive de ouvir do tenente um esporro desmoralizante por causa de uma vaca que, aproveitando um buraco na cerca do quartel, invadiu o perímetro para dar uma cagada homérica bem em frente a sala do comandante. Apesar de não ter nada a ver com o assunto, tive que ajudar a limpar a bosta da vaca.

Entrei no refeitório puto da vida, peguei meu pão e servi a primeira caneca de café. Passei pela mesa dos Comanfs, dos Cabos, do pessoal da II/96, dobrei à direita e, finalmente, me instalei na mesa da minha turma, a I/98. Pra quem não sabe, essa questão da divisão das mesas é uma questão seríssima entre os Fuzileiros Navais. Você só pode sentar na mesa dos seus pares, seus colegas de recrutamento, como se fosse um clã. É um código não escrito, mas respeitado por todos.

Matias contava que naquela noite havia comido a ex-noiva, que agora era esposa de um soldado novato, com quem havia chifrado o próprio Matias quando estes eram comprometidos. Agora, na visão dele, a vingança consistia em retribuir o par de guampas recebidas da ex-noiva e atual amante, e o fazia em um complicado esquema de revezamento com um outro soldado amigo do chifrudo e um terceiro, este do Exército. Os três parceiros na empreitada amorosa tinham uma tabela onde os dias de serviço do marido da moça eram preenchidos pelos três mosqueteiros na seguinte ordem: primeiro meu amigo Matias, afinal ele foi noivo da disputada amante e isso deve valer de algo, depois o melhor amigo do marido traído e, por fim, o representante do glorioso Exército Brasileiro. Aproveitei uma breve pausa no enredo nelsonrodriguiano e contei o caso da vaca. Deram risada da minha cara.

Levantei e fui buscar a segunda caneca de café. O café ficava disposto dentro de uma cuba de alumínio em uma rampa. Peguei a concha e servi até quase transbordar. Voltei para a mesa. O assunto agora era outro: um cabo que flagrou sua mulher o traindo com uma sargento enfermeira do 5° Distrito Naval e, habilmente, transformou o flagrante de adultério em um menáge-a-trois. É impressionante como o pessoal da Marinha tem fixação por chifre.

Sentei na mesa e me inteirei do assunto. Estava já no final da caneca quando um soldado gritou algum impropério que chamou a atenção de todos. Nos voltamos e vimos o dito soldado, em frente a cuba de café, usar a concha para lá de dentro tirar um enorme e inchado sapo. Ante olhos incrédulos ele exibia o anfíbio dentro da concha, fazendo movimentos circulares para que todos vissem sua descoberta, assim como faria um conquistador medieval que quisesse exibir a cabeça de um rei morto ao exército vencido.

Após uma explosão de xingamentos misturados com risadas alguns cuspiram o café que estava na boca. A maioria, resignadamente, simplesmente deixou a caneca de lado. Olhei para minha caneca de café, teci algumas breves considerações sobre a finitude da vida, e sorvi todo o restante do líquido de um só gole.

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Carlos Barth
Revista Subjetiva

Aspirante a escritor, karateca dedicado e budista relapso.