Camisa pardas
Com palavras soltas eu espanto o medo
dos estranhos dias que vivemos
tempos em que pareço acordar sem sequer ter dormido,
tempos em que sonhar é proibido.
Que viagem foi esta que me trouxe até aqui
neste sono que dormi?
que país foi este onde, de repente, acordei?
Onde está a liberdade que deixei?
Não existe verso neste poema
que não tenha sangue nas entrelinhas
que não sussurre o medo
neste tempo de viver.
No meio da noite que tomou meu coração
pareço ouvir tua voz
me chamando dos quartos escuros
cheios de olhares assustados
ouvindo os centuriões marchando nas esquinas
com seus fuzis e olhares ameaçados
a nos intimidar
como se viver fosse uma concessão
destes novos senhores de uma verdade que não é a nossa,
deles que nunca mencionam seu pensar
e dizem defender nossa liberdade
nos privando dela
dizem defender nossos valores
nos fazendo engolir os seus horrores
porque livres também eles não são.
E se aquele que passa ao meu lado
me incomoda
ao seu modo o medo dele e o meu medo duelam nesta noite
eles me temem tanto quanto eu a eles
e na mesa o pão não alimenta nossas bocas juntas
e na mesa o pão
não nos pertence, nem a eles
e não nos basta
a pouca semente
e não nos alimenta, nem a eles, a mentira destes dias de sufoco,
e se acordei, eu mal dormi
mas neste sonho que me consome
sobrevivo nas esquinas
me escondendo
e carrego um olhar de quem não pensa
de quem abdicou de ter opinião
porque isto mata
isto nos põe em risco,
você morre na rua
e ninguém se importa
quando chega o carro que recolhe cadáveres
daqueles que pensam,
ninguém se importa
quando chega o carro que recolhe os pedaços
daqueles que gritam por liberdade,
ninguém se importa
quando chega o carro que recolhe
o que sobrou daqueles que sonham.
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