Cantinhos felizes da Internet

Rodrigo Goldacker
Revista Subjetiva
Published in
5 min readMay 26, 2021
Photo by Marcus Urbenz on Unsplash

Às vezes, decido ir atrás do link de uma música no Youtube, mesmo quando já estou a escutando em outro lugar. O que procuro, porém, não é aquilo que ouço. O que quero encontrar é uma seção de comentários.

Em algumas das minhas músicas favoritas, já li mais de uma vez todos os comentários que foram feitos. Saudoso, releio aqueles mais antigos enquanto penso nas alegrias do mundo de seis, sete, oito anos atrás. E leio os comentários das pessoas que, como eu, voltaram mais recentemente atrás das mesmas saudades.

Sinto-me intimamente conectado com estes estranhos espalhados por todo planeta. Partilhamos de algumas emoções muito particulares.

Em outros casos, encontro músicas daquelas que ainda pouca gente conhece, mas que me parecem especiais. Sinto-me amigo dos artistas que as produziram e os links em que estas preciosidades estão publicadas passam a ser para mim uma espécie de tesouro. É como encontrar um artista de rua talentosíssimo tocando sozinho, só para você, numa esquina de uma ruazinha sem saída e sem movimento de um bairro periférico.

E ele sempre vai estar lá para tocar a música que você gosta de ouvir. Talvez tenha até uma pequenina seção de comentários também, como uma pequena plateia com mais dois ou três gatos pingados.

Às vezes, eu gosto também de vasculhar blogs velhos, muitos deles esquecidos até por seus donos. Leio comentários antigos e divagações introspectivas de estranhos que refletiam sobre suas profundidades nos meados dos anos 2000.

Este texto pode acabar sendo a mesma coisa para alguém no futuro, se o link em que foi originalmente publicado durar.

Eu jogava um joguinho online na minha pré-adolescência chamado Habbo Hotel. Ainda existe, ainda está lá. É basicamente um conjunto de salinhas criadas por usuários, cada uma com suas mobílias e personalidades, suas histórias. Todos os que viveram dias e dias das suas infâncias e juventudes comigo naqueles lugares foram embora, evidentemente, e nunca mais vamos saber uns dos outros.

Mas os quartos deles muitas vezes estão lá, como túmulos digitais. Às vezes, nas madrugadas, gosto de ficar vagando por aquelas salinhas vazias e lembrando dos dias em que estavam lotadas de avatarezinhos conversantes.

Tenho o mesmo endereço de e-mail desde 2005. Não pretendo trocar nunca. Enviei muitas cartas importantes para muita gente por ali. Lá existe um dos textos mais antigos que já digitei na vida, de uma forma muitíssimo rudimentar e precária, como era o esperado do eu que escreveu aos dez anos de idade. Mas aos treze anos, os textos que eu articulava já eram um pouco menos precários. Aos dezesseis, eles já estavam tomando uma forma suficiente para começarem a ser dignos de nota.

E aos dezessete comecei a mandar os primeiros e-mails com algumas linhas nas quais disse algumas coisinhas que pela primeira vez considerei verdadeiramente impressionantes.

Mais do que isso, lá tenho todos os e-mails que troquei com meu avô que morreu. As cartas de saudade que ele me enviou, as recomendações de links que estão quebrados. Revisito tudo isso esporadicamente.

Só entro no Facebook hoje em dia para rever as lembranças que ele me propõe. Aparecem fotos com meus amigos de Ensino Médio. Aquele dia em que fomos todos no Parque Villa-Lobos. Aquele outro em que descemos pela Vila Madalena gritando e fazendo bagunça. Aquela vez em que fomos juntos numa festa na Augusta. Abro todas, releio comentários.

Volta e meia caminho por perfis de autores no Medium, lendo ou relendo coisas que escreveram há alguns anos. Alguns deles abandonaram a plataforma. Talvez estejam escrevendo em outro lugar, talvez tenham desistido desse negócio esquisito de escrever.

Às vezes, encontro uma reflexão muito bonita. Principalmente daqueles autores e autoras com só uma ou duas dezenas de seguidores, aqueles que achavam que não seriam lidos por ninguém.

Vez ou outra, acabam dizendo coisas muito íntimas que parecem ser segredos.

Não devem ter refletido muito sobre como seus segredos estariam registrados online talvez para todo sempre e que algum esquisito como eu toparia com eles meio sem querer e os leria.

Algum outro talvez acabe topando sem querer comigo também no futuro e lendo isso aqui. Ou lendo outras intimidades minhas publicadas online para todo mundo que quiser ver.

Eu gosto de revisitar também os históricos de conversa. Como eu propositalmente me registrei desde antes das grandes corporações passarem a fazer isso por nós, tenho a oportunidade de revisitar como eu conversava e pensava já em anos longínquos como 2008, ainda pelo MSN. A maioria das pessoas com quem conversava naqueles tempos seguiu em outras direções da vida e perdemos contato. Só sobraram nossos endereços de MSN ridículos, cheios de diminutivos, gírias e pontuações decorativas.

Posso rever algumas conversas menos arcaicas pelo Facebook e WhatsApp também. Os anos são mais recentes que 2008, coisas como 2013, 2014, 2016. Ainda assim, com a maioria das pessoas dessas épocas eu também não tenho mais tanto contato. Mas posso sempre revisitar alguns resíduos cibernéticos de como foi quando éramos próximos. É quase como reviver amizades de adolescência por alguns momentos.

No Facebook, ainda posso às vezes revisitar também alguns grupos. Os que mais gosto são aqueles que todo mundo abandonou: os posts mais recentes são de três ou quatro anos atrás. Tem o grupo de um coletivo de escrita do qual costumava participar. Tem o grupo de alguns amigos de adolescência. Tem um grupo de psicologia. Todos deixaram lá, guardadinhas, centenas de interações de pequenas comunidades que nasceram, floresceram e acabaram.

Existe algo muito gostoso em considerar estes cantinhos remotos e singelos da Internet. No meio do caos, do barulho e da bagunça, no cantinho do eterno presente cibernético, sobraram essas pecinhas de vida bonita espalhadas por aí. Talvez (e provavelmente) quem deixou esses rastros nem lembre mais deles. Talvez tenha até morrido.

São resquícios, é claro, porque não sobra tudo. Só o Orkut já levou uma parte enorme da Internet brasileira primitiva quando acabou. A Internet também é bastante volátil: guarda muito mais do que qualquer coisa que veio antes, em questão de volume, mas proporcionalmente perde muito mais também. Um servidor dá problema, desaparece todo um mundo. Uma corporação faz uma escolha de desligar um serviço ou restringir suas informações, um pedaço da história é irremediavelmente apagado.

Mas algo sempre acaba resistindo. Um link que está no ar desde 2002, sem trocarem sequer uma linha de código, com todos os gifs ridículos daquela época. Às vezes, um printscreen que alguém precavido guardou.

Historiadores do futuro terão um divertido trabalho escavando estas coisinhas todas. Apesar de ainda envelhecer e perder certos detalhes, a fotografia que deixamos de cada época é cada vez mais rica de conteúdo.

Quem faz arqueologia desses cantos mais irrelevantes vai acabar encontrando muita coisa. Eu ocasionalmente me dou de bobo a procurar.

Faz pouco tempo, achei uma história divertida escrita em 2012 numa seção de comentários de uma música com poucas visualizações daquele lado legal do Youtube. Era sobre como, em 2012, quem escrevia sentia saudade de ouvir aquela música em 2009. E tinha uma resposta de outro alguém em 2016 com saudades de 2012. Se procurar bem, deve dar pra achar alguém de 2009 com saudades de 2007. E alguém em 2019 com saudades de 2015.

Uma conversa antiga num grupo abandonado, num joguinho decadente ou numa seção de comentários de algum vídeo velho. Talvez a frase mais bonita que já passou pela Internet esteja escondida em algum desses lugarzinhos.

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