Carta aberta para o ano que se inicia

Quase tudo pode ser um portal se você acreditar

Julia Caramés
Revista Subjetiva
4 min readDec 30, 2019

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Ainda que a virada de ano seja só uma passagem de ciclo e não um messias salvador, se até as Plêiades nascem conforme os equinócios das quatro estações e são elas mesmas que definem lá na constelação de touro quem vai e quem fica no quesito inteligência superior, por que logo eu não poderia conversar com as doze badaladas que anunciam a nova década?

Trabalharemos de modo que o foco nos pedidos será a alma desta carta, já que de nada adiantariam as insistentes lamúrias chorosas — falo por experiência própria — que não desistem de implicar com o ciclo que vem chegando ao fim. Merda. Este foi um ano de merda. Dadas suas reais proporções e circunstâncias, acho que a galera que nos ronda e ninguém vê fez o que pôde. Meu signo solar em virgem se revira em vertigem ao ouvir tal constatação, mas quero estimular as sutilezas que finalizam o ano com um pouco mais de alegria.

De onde eu te escrevo agora sobrou um pouco de amor. Nada de amor romântico, já que esse nem chegou perto dos doze meses. É uma nova espécie, vamos assim dizer. Hoje eu comprei uma caneta nova e tirei o caderno da gaveta. Acompanhada de um belo Chai com leite de amêndoas, me sentei em um café após um dia intenso de trabalho para traduzir as caraminholas que passeavam por essa cabeça.

É interessante tocar no assunto profissional, já que esse é o terceiro só esse ano. As outras duas experiências foram tragédias sistêmicas. Me causaram calos nos dedos e na alma. Como eu disse, as sutilezas. Agradeço onde estou. Exatamente agora.

Também foi o que me fez perceber que a conversa agora vai perder o ar de tête-à-tête e formalizar em um tom mais profundo. Imperecível. Orgânico e verdadeiro. O papel, a memória e a intenção. Ver para crer.

O primeiro pedido é o mais importante da lista. Vêm sendo feito há uma porção de anos e devo admitir que me senti ignorada nesses últimos meses. Para não perder a fé na vida e todas as outras coisas, resolvi reformar o método, canalizando toda a potência que for possível indicar. Fome não se mata com água e cresce feito erva daninha quando não há saciedade ao alcance. O mesmo vale para esse desejo. Uma vida sem amor não me serve de nada. Deus me livre de passar por esse próximo ciclo sem a intensidade da paixão. Sem refletir o exterior no interior e vice versa.

Me foram entregues cenas cintilantes que ao serem adentradas descobri que estavam ocas. Nada havia ali para mim e confesso que me causou certa exaustão. E muitas lágrimas. Há momentos em que eu pareço criança e se me sinto enganada não perdoo. Certas feridas não se cicatrizam sozinhas. A mensagem parte das profundezas do instinto. Uma natureza incalculada e inquieta. Se assemelha à carta da estrela quando se confunde com ilusões arquitetadas. Aprendi muitas lições e já posso dizer que assinei mais de um diploma nesse ano. Agora preciso de férias e vocês já sabem disso.

Corta pra hora certa. Dessa vez preciso contar com os ponteiros do relógio alinhados na hora certa, porque eu morro todos os dias esperando a hora que nunca chega. Não posso mais ver partes minhas se desintegrando e nem descolando a alma do corpo rumo a outros planos, outras vidas e outros amores. Chega de ser pára-raio do universo. O ansioso só projeta no futuro aquilo que não encontra no agora e apesar de mecanicamente arrumar minhas gavetas todas uma vez ao mês impedindo o mofo de vencer, certas vezes a poeira me sufoca. Minha missão é amar e o combustível já dá pra saber qual é.

Casamento é a palavra. Soa como loucura, parece alienação. Em tempos modernos compromisso é quase que língua estranha. Mas eu já estou com as malas prontas. Só carrego na mala o essencial: os lírios brancos que perfumam a tarde e o coração, os vestidos novos, o que aprendi dentro e fora dos livros e a escolha de construir o que se vive junto. E tenho urgência para partir.

Tocando nesse assunto preciso te dizer que tudo está absolutamente conectado, já que pra falar de alianças e desejos, eu que tenho a palavra compromisso tatuada na alma, cravo e decreto aqui o compromisso comigo mesma. Não faltar mais no Yoga. Terminar o curso de sintonia. Voltar pra terapia. E no quesito prontidão em ajudar, nasce mais uma reforma.

Me desfiz de quatro relações desgastadas esse ano. Amizades de longa data e mesmo parecendo um pente fino e frio da minha parte, não posso negar que doeu e em algumas partes ainda dói. O compromisso só começa com a reforma que fazemos em nós mesmos. Não dá pra espelhar no outro as dores que não se trabalha dentro de si. Não dá pra varrer pra debaixo do tapete e esperar pra ver se reflete ou não no exterior. Reflete e mina qualquer relação. Ninguém tem tantos baús assim pra guardar padrões insistentes e nocivos. Aquilo que não cuidamos por dentro, envenena o que empurramos pra fora.

Limpos, sinceros, multicoloridos e justos. Esses são os espaços que eu quero habitar no próximo ano. E para não me estender mais, confiando na sorte, nos ouvidos que tudo absorvem ou em Hórus e seu olho que tudo vê, podemos enfim comprimir toda essa energia em uma imensa vontade de voar por aí, de expandir pelo desconhecido, com amor que não é da boca pra fora, tranquilidade que não tem cara de tolice e se você, Ano Novo, descomplicar a passagem, eu prometo derramar minhas pétalas por aí. Porque eu sou boa de briga, mas sou melhor ainda quando o assunto é construir. Vamos desabrochar juntos?

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Julia Caramés
Revista Subjetiva

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