Carta aos meus amigos — Muitas saudades de vocês

Marcelo Da Silva Antunes
Revista Subjetiva
Published in
5 min readNov 1, 2020

escrevo essa linhas e dedico pra vocês, meus amigos

Minha gente, não se esqueçam de mim, estou meio sumido, vocês também, e isso me dá muito orgulho, sinal que estamos respeitando o isolamento social, a vida e pensando no bem coletivo, e óbvio que estou com saudades de tomar aquela suco com vocês, beber uma pinguinha, jogar conversa fora e até de marcar aqueles encontros que não irão rolar, só pelo fato de ter essa possibilidade, sigo prometendo encontros pra depois que isso passar, dessa vez vai rolar, vamos nos encontrar e dar risada, deixem marcado.

Nesses seis meses, muita coisa rolou, o psicológico ficou uma montanha russa no escuro, igual àquela dos finados parques de diversão, e acho que eu tô com labirintite, acho que eu sempre tive labirintite, ou talvez seja só sedentarismo e dores de cabeça. Tiveram dias que eu fiquei vegetando, não pensei em vocês, não pensei em ninguém, no começo ficava pensando que ia passar logo, e não passou. Passei a não trabalhar com o futuro, pensar só no hoje, parei de ver jornal e gastar energia xingando aqueles que ligaram o foda-se, ainda que isso machuque, ver tantas mortes que poderiam ser evitadas, ao menos diminuídas ou melhor amparadas. Isso de “amanhã eu faço” ou o contar com o ovo no fiofó da galinha não ajuda nessas situações. Vou tocando o barco. Tem dias que são piores que os outros.

Estamos (Eu e Aline) relativamente bem, segui com alguns planos e até antecipei outros, por sorte continuei trabalhando no meu selo, Borboleta Azul, com a Aline (que agora é minha esposa, mulher, companheira, juntamos os trapos, sei lá o nome disso, durante a pandemia), ela tem outro trabalho fixo, e por sorte também está de home office nesses 6 meses.

Lancei um livro novo, o Manifesto da Hora que o Couro Come, fiz até lançamento online, toquei um tamborim na live. Queria ter comemorado com vocês, comendo um petisco, lendo pra vocês, ouvindo da vida de vocês num presencial, das coisas pequenas que a gente comenta na mesa de um bar, ou na mesa da minha casa ou de algum de vocês. Vamos segurando por aqui. Vendeu até que alguns já, estamos indo, temos outros livros no site, fizemos um site, ficou bonito. Fizemos um revista, estamos tocando o barquinho de papel.

Eu até queria ter mantido o outro trabalho, lá fizeram uma trairagem comigo na última empresa que trabalhei, era uma empresa de livros, uma editora, livros jurídicos, empresa até na média de empresa, aquelas coisas, startup sempre tem os filhos do dono, os parente tudo, aquele pessoa de 22 anos que é chefe sem nenhuma condição de ser, vocês sabem, e eu também sei, já sou experimentado nesse rolê, é que sempre me surpreendo com a crocodilagem, me sinto meio otário, fizeram uma cama de gato pra mim, e na minha frente, na real eu não estava curtindo o trampo, era um saco, a treta foi a apunhalada pelas costas, não me decepcionei com o CNPJ da empresa, sim com os CPFs envolvidos, sempre espero mais das pessoas, ao menos decência.

Do negacionismo, esse me espanta, não surpreende, acho que nossa realidade paralela está tocando a realidade, cada um acredita no que é conveniente, isso é plantado, é um projeto de país, na real um projeto de planeta, o rolê máximo do individualismo, cada cabeça uma sentença.

Papo 10, fico feliz de ter amigos legais, ainda que alguns ramelam, eu também ramelo pra caralho, amizade é assim mesmo.

Falei com alguns de vocês por vídeo-chamada, alguns com lives, não fiz muitas, tenho um pouco de constrangimento, não fico tão confortável por telas, acho cansativo também, e isso vi confirmações cientificas. Sem falar no trabalho que dá fazer uma live, acabar e ter que lavar louça. Lavei muita louça, putaquepariu. Cozinhei bastante também, fiz hambúrguer de vários sabores, todos veganos, engordei e emagreci, tô correndo dentro do apartamento, fazendo uns polichinelo, e até yoga às vezes. Outros dias só fico vendo futebol mesmo.

Me casei, acho que morar junto é casar, dividir o mesmo guarda-roupa, ainda que eu use só uma parte pequena e todo resto é da Aline e dos cobertores e coisas do cachorro. Comprei uma escrivaninha nova e até que li bastante, ainda que tenha dado uns dias de ler ficção, tenho organizado minhas leituras, e o sebo espírita que vende livros por 2 reais abre de terça e quinta, colo lá às vezes, com máscara e entro e saio rápido, está sempre vazio.

Senti falta das bibliotecas, dos eventos, e de como depois estendia pra um bar ou ficava papeando ali mesmo. Nos pontos de encontro.

Tenho levado a cachorra pra passear todo dia, a gente comprou uma vitrola e comprei uns 6 discos do Roberto Carlos.

Não sei se estamos no fim dessa fase, nem sei quanto tempo ainda vai durar esse distanciamento, não tenho muitos grupos no whats, os que tenho nem tenho falado muito, é difícil esse novo mundo, ele continua esmagando, só que de outra maneira, sei lá, é estranho, não sobra tempo, trabalho pra caralho, me canso, me irrito, não é legal, antes também não era, e acho que não vai mudar tão logo. Pelo menos tínhamos um convívio social pra trocar figurinhas, carregar baterias, dar risadas em muita gente. Disso sinto falta.

Escrevo essa carta pra abraçar todos vocês de uma vez, sem precisar mandar pra cada contato no whats, talvez eu jogue esse texto nos grupos, sei lá, não sei se irão me ler, sei que alguns vão, outros não, tudo bem. Queria imprimir essa carta e mandar pra alguns remetentes, mas aí não seria muito eficiente essa mensagem geral. Queria dizer que estou com saudade e um pouco preocupado com a saúde de vocês, espero que estejam bem, não só livre desse corona, que estejam conseguindo pagar os boleto e ainda tomar uma coisinha, comer um negocinho, espero mesmo que estejam se cuidando, que não tenham perdido muitas pessoas e que isso esteja no fim, quero encontrar com vocês todos, se possível no mesmo dia, no dia da vacinação milagrosa (espero), ou num dia qualquer, numa praça, sei lá. Por hora, fiquem bem, saúde, alguma tranquilidade, e podem me dar um salve qualquer coisa, espero que nos encontremos o mais rápido possível.

Abraços e beijos e vamos seguir firmes respeitando vidas.

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Marcelo Da Silva Antunes
Revista Subjetiva

Marcelo da Silva Antunes é escritor, autor de 5 livros, entre eles Trágedias e SP: Sem Patuá.