Columbine: fatos, boatos, revisão histórica e reflexões por Dave Cullen

Thaís Campolina
Revista Subjetiva
Published in
5 min readMar 30, 2020

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Em 20 de abril de 1999, dois garotos brancos, Eric e Dylan, entraram na escola em que estudavam com armas e bombas caseiras prontos para morrer levando o maior número de pessoas junto com eles. Columbine era o nome do colégio e também da região que o circundava. Columbine se tornou nome e referência de um massacre escolar que teve 13 vítimas fatais, fora os assassinos, e 21 feridos.

Columbine também se tornou título de um livro de Dave Cullen, escritor e jornalista estadunidense considerado uma grande referência desse episódio. A obra, fruto de uma investigação que durou dez anos, reconta essa história e revisita esse crime com responsabilidade, desmistificando boatos, buscando respostas e expondo as consequências do massacre na vida de vítimas, famílias e comunidade.

Quando lemos livros que abordam crimes, especialmente crimes que se tornaram referência para outros como é o caso do Massacre de Columbine, tememos que aquela obra sirva, de alguma forma, para inspirar imitadores. Mas continuamos lendo, porque o que nos move, enquanto leitores e pessoas, é tentar entender os porquês, buscar respostas, encontrar um mecanismo de prevenção, qualquer coisa que seja capaz de evitar que aconteça de novo. Queremos entender o que aconteceu para poder reencontrar a lógica que aquele crime nos fez questionar. Queremos encaixar o que aconteceu no que chamamos de humanidade, sociedade, pessoas. Queremos respostas para perguntas que nem sabemos fazer.

Dave Cullen parece ter escrito esse livro guiado pela mesma inquietação, essa motivada também pelo que ele aprendeu ao se debruçar pelo caso e viu acontecer na comunidade. Justamente por isso, a obra trabalha tanto a questão da mídia na cobertura desse crime e retoma o passado que, para muitos, deveria ser esquecido. “Como falar do passado pode ajudar?”, alguns podem questionar. Com sua escrita, o jornalista e escritor busca corrigir os erros relacionados ao caso, refletir sobre o crime e repensar abordagens.

Os atiradores

Eric e Dylan são personagens importantes dessa história e seus diários, históricos e atitudes recebem bastante atenção de Dave e especialistas. A partir de comentários trazidos no livro, entende-se que Eric era um típico psicopata e, por isso, mentiroso excelente, e Dylan tinha tendências suicidas, depressão e, por incrível que pareça, falava muito de amor quando escrevia. Entende-se também que eles planejaram o crime por um ano e que houve pistas do que vinha a seguir. Seus pequenos delitos, por exemplo, e até mesmo trabalhos escolares e tiração de onda entre colegas.

Um dos pontos de destaque é o quanto os assassinos se consideravam superiores aos outros, ainda que essa sensação de superioridade os afetasse de maneiras diferentes. Questão que é importante ser levantada porque, conforme Dave Cullen expõe, a maioria de atiradores e criminosos do tipo são homens brancos, que formam o grupo social com mais poder. No ataque não havia preferência por vítimas, mas ainda assim tudo que se viu nos diários, no perfil e nos crimes de imitadores indicam que há algo na masculinidade branca a ser debatida.

Ao traçar o perfil psicológico dos autores do crime e revisitar o diário deles, se percebe o quanto a questão sempre foi muito mais complexa do que a narrativa de párias, bullying, videogame e música. Queremos respostas e soluções fáceis, mas isso não existe em casos como esse.

O crime

O massacre de Columbine não foi um sucesso para os seus autores. As bombas colocadas na cantina do colégio no carro dos assassinos falharam. Não houve o show pirotécnico que eles esperavam. Dave comenta que é importante ressaltar isso porque espalhar essa informação pode ajudar a quebrar o simbolismo criado em torno do crime e dos seus perpetuadores. E, junto com outras informações, ampara o entendimento de que Columbine foi um assassinato de espetáculo, como outros que vieram a seguir, e a mídia e a sociedade precisam ter conhecimento disso para saber reagir a esse tipo de crime sem fazer surgir novos “mitos”.

Comunidade: onde passado, presente e futuro se encontram

O controle de armas nos EUA, tão pedido desde antes mesmo desse acontecimento, continua sem existir, ainda que outros crimes que envolvam ataques em massa e armamento não parem de acontecer. As igrejas, que acolheram muitos, também agiram como se o massacre possibilitasse uma melhor propagação de sua fé e isso causou dor a muitos envolvidos e ajudou criar, inclusive, conflitos entre famílias. O luto não foi e nem é igual para todo mundo. O Estado falhou ao esconder que havia investigações sobre as bombas, ameaças e Eric, fora outros delitos que incluíam diretamente Dylan, anteriores ao crime. Boatos foram criados sobre o crime e ainda são difundidos. A mídia errou em muita coisa em sua cobertura. O crime passou a servir de inspiração para outros. A escola continuou a existir e tudo indica que isso foi algo bom. Cada sobrevivente segue sua vida e, para muitos deles, encarar essa continuidade faz bem porque significa que os assassinos “perderam”. Columbine, a cada ano que passa, felizmente se torna de novo Columbine-área-e-escola e não Columbine-crime.

Passado, presente e futuro foram afetados e nada no massacre possui uma explicação simples. Por isso não dá para fingir que simplesmente não aconteceu. Por isso, a gente se debruça nessas quase 500 páginas querendo encontrar qualquer coisa que mostre o que podemos aprender com o que passou. Dave Cullen, a partir de suas reflexões, mostra que a mudança na cobertura é um começo. É preciso contar a história das vítimas, de suas famílias e se aprofundar na comunidade sem interferir e inferir demais. É preciso olhar para o passado e não cometer os mesmos erros. Pena que um deles, que é o acesso fácil às armas nos EUA, siga na mesma linha mesmo vinte anos depois, apesar de, ao menos teoricamente, restringir ser a coisa mais fácil e óbvia a fazer.

Tradutor da obra: Eduardo Alves

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Thaís Campolina
Revista Subjetiva

leitora, escritora e curiosa. autora de “eu investigo qualquer coisa sem registro” e “Maria Eduarda não precisa de uma tábua ouija” https://thaisescreve.com