Divulgação — Debby Hudson

Como a literatura e a escrita podem mudar a vida de um jovem

Isa Silveira
Revista Subjetiva
Published in
10 min readMar 9, 2020

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Eu amo o mundo literário desde antes de saber o significado dessas palavras, e por isso uma das coisas que mais defendo e o fato de que todo mundo deveria se dar a oportunidade de aproveitar da literatura, nem que seja uma vez só. Principalmente as crianças; o hábito da leitura tem que ser alimentado desde cedo. Quando se trata da arte da escrita, então, posso entrar numa guerra para defender seu valor!

Porém, tudo o que tenho a dizer para argumentar em prol da imersão da juventude nesse amplo universo já foi dito várias vezes e de formas pouco diferentes. Então decidi fazer algo diferente dessa vez, uma coisa que nunca fiz antes: contar minha história. A história de como uma jovem de 20 anos só se tornou o que e hoje graças a primeira história lida e ao primeiro parágrafo escrito.

Pegue um café, ou um suco se estiver calor por aí, ou até um vinho — mas aí terá que dividir comigo — , e vamos lá.

Onde tudo começou

Sou cria de uma cidade pequena no interior do estado do Rio de Janeiro, que fica no cruzamento dos três maiores estados da região Sudeste e tem certa fama por um lugar que a galera das trilhas adora vir para explorar. Foi aqui, aos meus cinco ou seis anos, que minhas experiências literárias começaram, ou ao menos esse é o ponto mais distante da minha vida que minha memória consegue alcançar.

Na escolinha em que estudava, tinha uma área conhecida como Brinquedoteca: a sala dos brinquedos e dos livros infantis. Me lembro de ter jogos de tabuleiro, de montar, e até um daqueles livros interativos que mostrava o corpo humano, o qual me deixava assustada e fascinada ao mesmo tempo. Na parte dos livros ficavam disponíveis livrinhos de contos de fada e de historinhas da Disney, como Bambi, por exemplo, além de — o que foi mais importante para mim ali — gibis. Foi lá que eu conheci a Turma da Mônica.

Confesso que amo até hoje e que ainda me pego lendo algumas tirinhas online de vez em quando. As histórias da turminha foram uma das minhas principais fontes de diversão dos seis aos nove anos; pedia para minha mãe comprar toda vez que íamos ao supermercado, Entrava no site logo cedo para ler as várias e várias historinhas disponíveis no meio virtual, levava meus gibis preferidos em todas as viagens, alimentei o sonho de conhecer o parque, desenhava os personagens, até montei uma coleção que durou bastante tempo. As aventuras da turminha me ajudaram a aprender regras gramaticais e a começar a imaginar minhas próprias historinhas também. Mais do que isso: eu sentia que aqueles gibis eram meus amigos.

Engraçado, minhas memórias de infância são sempre um pouco bagunçadas, mas eu me lembro direitinho do jeito que a obra do Maurício de Souza — meu primeiro ídolo, aliás — me fazia sentir, e o quanto isso foi importante para o que veio depois.

A escola nova

Depois de estudar até o quarto ano em um educandário, junto de meus amigos de sempre e professores carinhosos, abriram vagas para o quinto ano em um colégio estadual, que na época era o melhor da cidade e um dos destaques no estado, e minha mãe não perdeu a oportunidade de me matricular. Eu estava animada de ir para um lugar novo, principalmente porque minha melhor amiga iria também, mas também triste porque todos os meus outros amigos ficariam naquela escolinha por mais um ano (lá o ensino só ia até o fim do Fundamental I). Não me recordo do meu último dia lá, embora tenha memórias vivas do último passeio, do último acampamento, das últimas fotos da turma, do último arranco…

E, definitivamente, da primeira semana no colégio novo: o medo de ter de pegar ônibus cheios todos os dias, de ter de enfrentar o centro da cidade, da multidão de alunos juntos, do nome da minha única amiga ali indo parar na lista de outra turma, dos meus choros de saudade durante as noites e do medo de ser a única a me sentir assim. Minha mãe fazia o que podia para me consolar, só que eu simplesmente não me sentia confortável e tinha muitas dificuldades em conversar com meus novos colegas.

Então, num dia mágico que posso apenas supor que estivesse com um lindo sol e arco-íris no céu, eu fui até a biblioteca do colégio pela primeira vez. La ainda não tinha nenhuma edição da Turma da Mônica Jovem, a minha paixão na época, mas havia dezenas de títulos de tipos diferentes. Eu ainda não tinha lido nenhum livro de verdade, um que não fosse um gibi e nem tivesse qualquer figura ao longo das páginas, então decidi tentar e peguei um de lá.

Uma pena, o nome daquele livro sempre me foge; lembro que era algo com leão e estrelado. Na primeira semana li cinco páginas porque achei chato. Na semana seguinte pensei em devolver logo, mas algo me deteve e decidi continuar tentando, e então algo nele me fisgou li todo o resto em dois ou três dias. Acho que me identifiquei com o quanto o leão se sentia sozinho.

Daí pra frente foi uma jornada sem freio. Comecei a pegar um livro atrás do outro naquela biblioteca, e a passar todos os intervalos lá ou na sala de aula mesmo, lendo alguma coisa. Lia no ônibus. Lia em casa. Já tentei ler andando na rua também, mas desisti quando quase bati a cabeça em um poste. Via minha professora e alguns colegas se preocupando pela minha escassez de interação social, só que eu estava bem. Mais uma vez, os livros eram meus amigos: podia conversar mentalmente com os personagens, descobrir valores importantes para a vida, dar risada, me emocionar…

Eles me ajudavam a entender a mim mesma melhor, e, de alguma forma, a entender os outros também. Isso continuou no ano seguinte (foi até o fim da minha vida escolar, na real, mas chegamos lá) e, em 2011, conheci um novo tipo de leitura: as fanfictions. Comecei a acompanhar algumas baseadas em Pokémon. Por fim, depois de lutar contra muita insegurança, em novembro publiquei a minha primeira história.

O Sentimento de Fazer Parte

Logo comecei a sentir o prazer indescritível de ver pessoas lendo, acompanhando e comentando algo que você escreveu. Demorei bastante para aceitar as críticas mais pesadas mas aquilo tudo me fez sentir mais confiança em mim mesma. Eu finalmente tinha algo um lugar no mundo! Contei para minha família toda, falava sobre isso diariamente com minha mãe, até comecei um blog, de tão entusiasmada que estava com a escrita.

Por fim, aquela minha primeira fanfic encerrou e não quis parar; comecei a escrever outras. Além de Pokémon, resolvi me aventurar também pelo mundo de Inazuma Eleven (conhecido como Super Onze). Então, um leitor frequente me mandou uma mensagem, me convidando para um grupo do MSN (que saudade!) para escritores do mesmo fandom. De repente, a menina quieta que conversava mais com os livros do que com as pessoas, tinha amigos — virtuais, mas amigos.

(E aqui que me explico dizendo que dei sorte de não cair em uma cilada por isso, pois não tinha fakes ali. Minha mãe, coitada, se preocupava, mais com razão. Tomem cuidado, crianças).

Isso foi em 2012, o ano em que minha paixão recém-descoberta me fez sonhar em ser jornalista depois de dois anos dizendo que me tornaria pediatra. Também foi o ano em que decidi escrever um livro pela primeira vez, e escrevi, quase publiquei, mas a falta de grana barrou (ainda bem), só que não sem antes de acontecer uma das coisas mais importantes ao longo de toda essa jornada: foi a primeira vez que minha mãe me disse, olhando nos meus olhos, que sentia orgulho de mim. Não pelas minhas notas, não pelo meu comportamento na escola, e sim pela coisa mais importante de todas. Meus irmãos também leram meus textos pela primeira vez nessa época, e ouvi-los dizer que estava bom fez eu me sentir incrível.

Foi, ainda, o ano em que comecei a escrever minha fanfiction de maior sucesso que durou até 2015. Era baseada no universo do anime Fairy Tail e, nos 3 anos de atividade acumulou 6 recomendações e centenas de comentários. Meu maior orgulho! Ela me transformou em uma famosinha na plataforma, e me levou a conhecer a alegria de conversar ver os leitores chamando um autor no MSN ou Facebook só para conversar sobre sua história.

Fazer mais amigos no meio online tornava mais fácil minha comunicação com as pessoas do lado de cá. Até consegui fazer um grupinho de amigos na escola e conversar de verdade com as pessoas. Ainda não era muito, porém, dada a minha situação anterior, já era uma evolução e tanto.

Então, o ano passou e chegou 2013, ano em que a depressão bateu na minha porta.

Válvula de Escape

Não acho necessário expor aqui todas as causas e consequências desse problema. O que quero falar aqui é sobre o que me ajudou.

Eu não conseguia falar com ninguém sobre o que estava passando, em parte porque não sentia confiança o suficiente em ninguém, em parte porque sentia vergonha. Assim, mais uma vez, os livros se mostraram meus melhores amigos. Eles me faziam rir, me fazia chorar o que precisava chorar, e me ajudavam a enxergar as coisas de outras formas. Escrevendo eu também conseguia liberar um pouco aquela carga, fosse com textos diretos ou mascarando por trás da ficção. Eu não queria fazer nada, não queria ser nada, mas queria escrever e ler mais do que nunca. Ao mesmo tempo em que me odiava, pensava: “tenho que continuar, porque só eu posso publicar meu livro”.

Não quero entrar em termos religiosos aqui. Você pode não acreditar em Deus, ou não vê-lo da mesma forma que eu, mas sempre vou acreditar que esse sonho foi Sua maior manifestação em minha vida, e aquilo através do qual ele conversava comigo.

Até hoje, se estou triste, perdida ou confusa, não tem nada que me ajude mais do que escrever alguma coisa. 2013, com todos os seus barrancos, me mostrou uma coisa nova sobre essa arte tão maravilhosa: quando você se entrega a ela, ela também se entrega a você.

O Primeiro Livro

Pega a cama elástica porque vamos dar um salto no tempo até 2015. Nesse ano comecei a fazer exercícios físicos diariamente, e a endorfina e a autoestima ganhas com isso ajudaram ainda mais na minha produtividade. Era também uma hora maravilhosa para fazer brainstorm; corria todas as noites com meu tio, e era sempre muito fácil falar sobre todas as minhas ideias com ele, principalmente porque ele me ajudava a polir cada uma delas e opinava. Mas a parte mais importante desse ano foi quando sonhei com uma ideia de história antiga e acordei motivada a investir nela novamente.

O nome era The Sages. Tinha começado a escrever entre 2012 e 2013, após finalizar o jogo The Legend of Zelda: Ocarina of Time, entretanto, depois de três tentativas falhadas de fazer aquela história andar, acabei desistindo. Só que naquela manhã de 2015 eu acordei sabendo exatamente o que fazer com ela! Não costumo ser muito supersticiosa, mas quando se trata de uma ideia que vem por meio de um sonho ou por intuição, sempre acredito que não posso simplesmente não colocá-la no papel.

Depois de mais 2 esboços, finalmente achei o roteiro perfeito para a história e comecei a escrever freneticamente, enquanto postava na mesma plataforma de sempre. Os feedbacks dos leitores eram incríveis e eu realmente acreditava que aquilo poderia alcançar um espaço no mercado físico. Enfim, em 2016 lancei o último capítulo e seus spin-offs. Após alguns meses decidi arriscar e fui atrás de um site que publicasse livros de forma independente, ao invés de voltar para a busca incerta de uma editora que não cobrasse nada. Após pagar 60 reais, o livro físico chegou na minha casa.

Foi uma sensação estranha. Queria muito estar feliz com aquilo, mas sentia que não era daquele jeito que queria realizar meu sonho. O livro ficou a venda por um preço absurdo no site por mais alguns meses e o meu continuou guardado num canto do meu quarto, comigo sem nem motivação para vender sequer um exemplar. Por fim, desisti; dei o meu para uma amiga e tirei a venda do site.

Passou pouco tempo e uma editora inaugurou na minha região, com a promessa de dar visibilidade a autores nacionais novos. Foi assim que, depois de alguns atrasos, no início de 2018, The Sages foi lançado do jeitinho que sempre quis. A alegria não cabia no meu peito.

O Melhor Lugar da Escola

Já que demos um salto para frente, vamos dar um salto para trás agora e voltar para 2016. Estava no segundo ano do Ensino Médio, minhas habilidades sociais já tinham melhorado drasticamente, e ainda assim não tinha hora melhor do que o intervalo, horário em que podia ir para a biblioteca e passar deliciosos 20 minutos ao lado de prateleiras de livros.

Só que uma coisa mudou. Esse meu casulo social que se fechava quando eu passava por aquela porta começou a crescer e a englobar mais pessoas nele. O prazer da leitura me levou a conhecer pessoas novas e a fortalecer laços com velhos colegas, e até com a bibliotecária, que se mostrou uma grande parceira e foi uma das primeiras a ler (e analisar!) meu livro quando foi lançado.

Acabamos formando um grupinho. Quando dava o horário do intervalo, nem precisávamos falar nada; íamos automaticamente para a biblioteca e ficamos lá — comendo biscoito, conversando, brincando ou até mesmo lendo cada um o seu livro — , juntos.

No fim do meu último ano de colégio deixei para trás uma ficha cheia de páginas e páginas com os nomes dos livros que peguei emprestado de lá e uma salinha cheia de memórias boas.

A História Depois

Quando comecei a escrever este texto, não esperava que fosse ter tanto foco na minha vida escolar. Olhando agora, porém, vejo que faz sentido mesmo; a literatura impactou principalmente essa fase da minha vida, a qual só me mudou tanto desse jeito graças a presença dos livros.

Hoje meu hábito de leitura continua e se estendeu para outros tipos de livros. Confesso que, com a rotina atual, ando lendo menos as ficções que tenho em minha estante, e que cheguei a vender ou dar os livros que no passado jurei que nunca nem mesmo emprestaria. Acho que algumas coisas na vida mudam quando a gente vai crescendo, principalmente as nossas prioridades, e isso que os livros me ensinaram também, de um jeito ou de outro. Também continuo escrevendo, e lancei um livro recentemente. Esses dois elementos seguem sendo fundamentais para afetar minha autoconfiança e meu olhar sobre mim mesma e sobre as minhas relações, mesmo já não precisando mais ser os únicos responsáveis por isso.

É engraçado pensar que muita coisa boa na minha vida só aconteceu graças a um gibi.

É por isso que defendo tanto que os jovens deveriam ter gosto pela leitura. Não que filmes, animes, séries e games sejam ruins para sua formação, mas a leitura tem algo que é só dela: ela tem um jeito único de te fazer acreditar que tudo é possível, e te ajuda a realizar tudo isso.

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Isa Silveira
Revista Subjetiva

Escritora de contos, fantasia e pensamentos aleatórios. Uso a palavra escrita para em prol de um mundo melhor. Textos em português e inglês.