Izadora Laner
Revista Subjetiva
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2 min readSep 9, 2022

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[Como seria se?]

Eu não gosto de comédias românticas; finais felizes de filmes cor-de-rosa me parecem debochar da vida real. Mas ultimamente os domingos chegam juntos de uma ansiedade existencial, que tem me impedido de maratonar as distopias e dramas viscerais que tanto combinam comigo. Então, neste domingo, eu me deixei levar pela mão daquele filme colorido que mostra duas versões de vida, derivadas de uma decisão do acaso - "como seria se...?"

Sentada no vaso do banheiro de uma festa, a jovem e seu plano perfeito de 5 anos seguram um teste de gravidez - dali em diante, se desenrolam dois caminhos. Para a minha surpresa, ambas as histórias se perpetuam não como o lado certo e o lado errado, azar ou sorte, o único amor e a última chance. Cada uma traz as sensibilidades de uma vida valorosa e desfrutável nos sentimentos bons e difíceis; nos pequenos fragmentos de plena felicidade e na tristeza bem vivida.

Toda vez que a jovem fazia uma escolha, não importando em qual versão, eu me via ali; rasurando o meu plano de 5 anos. Riscando opções e acrescentando outras; virando a página e voltando ao verso para reler o que esqueci. Planejar é bom, faz com que tenhamos em mente os lugares que almejamos. Mas um plano sem valores é só rabiscos num papel... e por valores, me refiro a essência de nossos ideais. A bússola que aponta o norte; o termômetro da pessoa que queremos nos tornar.

Nos últimos 5 anos eu mudei para uma cidade desconhecida, tive o emprego dos sonhos; fiquei desempregada, dei meu jeito e subi em novos trilhos, sem deixar de desejar a rota dos antigos. Encarei as fraturas de um passado excruciante; tive que perder parte de mim. Saí de relacionamentos abusivos, abracei a raiva e mergulhamos juntas até o fundo do poço. Lá, me vi deprimida e encontrei meus valores em meio aos cacos de um reflexo partido. Resgatei antigas cores e me colori de novos tons; mudei de casa, publiquei um livro, cortei o cabelo, mudei de corpo, troquei de voz. Vivi meus lutos, ganhei amores e retomei antigos afetos. Reconheci que o deleite está nos detalhes da trama; o desenlace é só o horizonte que margeia de coragem os primeiros passos... a cada esbarrão da vida.

[Iza Laner]

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Izadora Laner
Revista Subjetiva

Autora do livro Entre Margaridas e Fissuras. Instagram: @aposto.literario