Contando histórias e desenhando letras

Com o lápis faço o contorno da letra. Tento fazê-lo com suavidade, devagar.

Regiane Folter
Revista Subjetiva

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Linhas discretas que mais tarde podem ser facilmente apagadas. Normalmente ponho muita intensidade em tudo que faço, até mesmo quando escrevo de próprio punho. Marco cada letra com ímpeto, determinada, sem medo de equivocar-me. Mas há pouco tempo aprendi que a beleza de uma palavra cuidadosamente traçada pode dar mais força ao que quero dizer.

Sempre pensei em estudar coisas conectadas à escrita para aprimorar minhas histórias e me tornar melhor escritora. Nunca imaginei que meu primeiro curso relacionado a escrever terminaria sendo para aprender a decorar palavras. Porque é disso que se trata o lettering: não é só escrever bonito, mas saber como colocar beleza em tudo aquilo que ponho no papel.

Normalmente, uso meu computador para escrever minhas histórias. Escrever à mão é uma atividade esporádica, muito mais prática que criativa. No Word invento mundos paralelos, escrevo versos e frases; na folha de papel escrevo listas, ideias soltas, bilhetinhos sem importância. Prefiro o teclado porque posso colocar minhas ideias pra fora com rapidez e eficiência, quase à mesma velocidade com que vão surgindo na minha cabeça. Se as coisas não saem bem, sempre podemos voltar a começar, apagar, cortar, melhorar uma frase, acrescentar um acento… E ainda assim, com tantas edições, a tela se vê incólume e o texto final, perfeito.

No papel, isso não é assim. Erros não são tão fáceis de corrigir, as voltas do lápis não são tão rápidas quanto o tec-tec do teclado. Vou mais devagar, mais humana. Mas, mesmo com essas aparentes desvantagens, às vezes me dá uma vontade louca de escrever à mão que dou vazão nos mil e um caderninhos que coleciono. Porque por mais fácil que seja escrever em um computador, não há nada melhor que o cheiro de papel de um bloco de notas novo.

Uma vez, escrevi uma história à mão e estava tão inspirada que terminei desenhando algumas cenas para descrever melhor a minha ideia. Não era nada muito elaborado (porque desenhar nunca foi minha praia), mas eu gostei. Me representavam. Com poucos traços e algumas cores dei vida ao texto, uma vitalidade que ele não tinha quando eram somente palavras.

E acho que foi aí que meu interesse pelo lettering surgiu. Ver que as palavras podiam ter mais cor, luz e movimento, para assim passar mensagens mais claras e bonitas, chamou a minha atenção. Conversa vai, conversa vem, já vão dois cursos curtos de lettering nos quais falamos sobre sombra, perspectiva, profundidade. Brincamos com lápis, canetas, pincéis de todos os tipos, materiais diversos que eu nem imaginava que existiam e que tornam mais simples fazer um traço ou sombrear uma palavra. Praticamos e praticamos, folhas e mais folhas de fazer e apagar e voltar a fazer e apagar, e aprender. Nada além de prática e criatividade.

Os experimentos são infinitos: usar tal caneta com tal papel, tal cor em tal fundo, tal técnica com tal tipo de tinta… O importante é concentrar-se, dedicar-se, sujar as pontas dos dedos e aos poucos ver a transformação de um primeiro esboço a algo real.

Outro dia fui numa apresentação de um artista gráfico que falava sobre a importância de resgatar o que é real. Em suas palavra, com a digitalização estamos perdendo práticas e ofícios que têm o seu valor justamente na imperfeição e no que aprendemos com isso. Escrever algo no computador, apagar e voltar a escrever como se nada tivesse acontecido (shame on me) não é tão real quanto escrever à mão, com minha letra imprecisa e possibilidades mais limitadas de consertar deslizes.

Segundo ele, o lettering e muitas outras artes que estão na moda hoje em dia são uma tentativa de voltar um pouco às nossas origens e colocar mais realidade em nossas ações, ao invés de digitalizar tudo e viver num mundo de plástico. Acho que ele tem razão. Me sinto parte da peça de lettering que crio porque escolhi cada pequeno detalhe (do papel à cor da aquarela) e me dediquei a preparar cada um deles, desde medir os centímetros até colorir os espaços em branco. Cada pedaço dessa peça é meu, sou eu, são as histórias que quero contar, com meus erros, ideias e gostos. É imperfeito, é real, e por isso é mais bonito.

Não vou abandonar de vez o computador, porque essa máquina tem várias vantagens fundamentais para alguém que ama escrever, como eu. Mas também vou tratar de representar esse amor de outras maneiras, em formas mais coloridas, vívidas e autênticas. Com a mesma mão que digito, desenho, escrevo, pinto. Dou luz a palavras de mil e um jeitos. Experimento, descubro e me encontro em todos os formatos de histórias que quero contar.

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Regiane Folter
Revista Subjetiva

Escrevi "AmoreZ", "Mulheres que não eram somente vítimas", e outras histórias aqui 💜 Compre meus livros: https://www.regianefolter.com/livros