cortaram o pé de limão!

carolina
Revista Subjetiva
Published in
2 min readApr 26, 2020
ilustração botânica | citrus vulgaris risso

cortaram o pé de limão!

eu soube antes de ver.

era um limoeiro médio ou até grande, porque limoeiros não são lá tão altos e grandes.

todo domingo catava limão nele.

ficava num terreno baldio bem na frente da parada de ônibus, aquela perto da casa da mulher que antigamente vendia quentinhas no almoço, mas agora está padecendo de dor nas costas. hérnias, ela me contou. eu descobri recentemente que o pé de limão fica na subida para são pedro. 25 minutos a pé. de moto, 12. os limões matinais serviram para tantos sucos, guaca-moles, molhos de saladas e até produto de limpeza-desinfetante de casca. como não tem mais nem pé e nem limão, agora só tem um monte de madeiras disformes pregadas num tronco. pode ser qualquer esqueleto de árvore. qualquer resto mortal de pé de planta desconhecido. foi só ver o pé de limão que eu quis me sentir triste por ele, quis chorar, abraçá-lo, tocar nele, pedir desculpa por não ter defendido ele da serra. mas eu não senti nada disso quando o vi. parece que meu coração estava podado também. com corte aparado de pressa. eu estava atrasada para minha meditação em movimento, tão em cima da hora que não chorei pelo pé de limão. e por quantas podas mais eu economizei lágrimas? quando pés amigos mais vão precisar ser aparados para eu soltar minhas lágrimas doloridas? eu senti só pressa, roí as unhas, fiquei nervosa: cadê minha tristeza? no lugar de lágrimas, meu corpo estava todo seco. olhos, bochecha, nariz, boca, queixo, mão, peito, tudo. eu estava numa secura danada. devia ser pressa, falta de empatia, de sensibilidade. ou talvez fosse só sede.

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