Crítica: “American Gods”, uma fábula mitológica moderna sobre a América.
Primeiro vamos à duas questões importantes: 1) essa resenha contém spoilers; 2) ela é uma análise da série, feita por alguém que não leu o livro. Dito isso, vamos as primeiras impressões da série.
UAU! É difícil terminar o primeiro episódio da nova série do canal Starz, sem soltar alguma exclamação de satisfação. A estréia de “Deuses Americanos” (American Gods, 2017) era uma das mais aguardadas da temporada e chegou jogando uma explosão de metáforas e imagens na tela, que remontam à história da América. Baseada no livro homônimo de Neil Gaimal (“Deuses Americanos”, 2001), a série é construída como uma espécie de fábula macabra, trazendo consigo uma pintura estilizada da sociedade americana, daquilo que ela acredita e dos elementos que a constituem.
Já nos primeiros minutos, vemos Bryan Fuller (criador da série) construir o pano de fundo para a história: a guerra! E ela nos é apresentada numa das tomadas mais incríveis (e sangrentas) da TV moderna, quando os Vikings chegam à inóspita América e são recebidos com flechadas mortais. Eles decidem ir embora o mais rápido possível, mas os ventos não colaboram com os exploradores. Então, eles começam uma apoteótica busca por respostas dos Deuses. De repente, a tela se enche de um púrpura à la Tarantino, e o sangue mancha o solo do Novo Mundo com aquilo de mais antigo e atual que há: a guerra.
É a introdução perfeita do que está por vir, porque assim como a América foi construída por meio da guerra, assim também é a história e a relação dos Deuses. Percebemos então a premissa exata da série: estamos num mundo em eminência de uma confronto entre os Deuses antigos e os novos Deuses, representados nesse episódio respectivamente por Mr. Wednesday (Ian McShane) e Technical Boy (Bruce Langley).
E é no meio dessa guerra que Shadow Moon (Ricky Whittle) vai parar, ao ser convencido à trabalhar para Wednesday, um homem misterioso com quem ele pega um voo, logo depois de ser libertado da prisão para acompanhar o enterro de sua esposa. Envolto em sonhos premonitórios e pressentimentos, o ex-presidiário se vê atraído pelo inebriante e divertido Wednesday, e aceita trabalhar para ele como seu segurança/faz tudo. Está pintado o pontapé inicial de Deuses Americanos!
Há aqueles que dirão que o primeiro episódio é estranho, mas o DNA excêntrico, estilizado, místico e metafórico definitivamente nos deixa inebriados! A fotografia forte e ao mesmo tempo lírica, juntamente com a trilha sonora que é parte intrínseca da narrativa, constroem uma fábula mitológica moderna totalmente convidativa. E se você souber ver o que está por detrás de todos os símbolos, signos e cores dispostos na tela, as exclamações de satisfação serão muitas! Como não vibrar quando você percebe as inúmeras referências ao preconceito racial no qual a sociedade americana foi construída, nas músicas escolhidas (“ Where Did You Sleep Last Night?”, canção da época dos escravos), e na própria construção da narrativa? O que são as sutis lembranças sobre enforcamento e a própria cena de Shadow sendo espancado e quase enforcado por homens vestidos de branco? Como não lembrar que o modus operandi da Ku Klux Klan era exatamente esse, linchar e enforcar os negros?
É de arrepiar, é chocante, isso é American Gods! Que a série não tenha medo de tocar nas feridas da história recente! Isso é audiovisual de qualidade! Portanto, não perca essa produção, porque ela começou muito bem, e promete ser incrível! É o tão sonhado entretenimento metafórico e conceitual, feito totalmente para o nosso deleite!
American Gods é exibido no Brasil todos os domingos através do Amazon Prime Video.