Crônica vermelha

Aconteceu com uma amiga de uma amiga minha

Giovanna Indelicato
Revista Subjetiva
3 min readMar 2, 2018

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Pode até parecer a princípio, mas essa história não é sobre um sistema de organização sociopolítica. Tampouco sobre aquele famigerado partido. Ou ainda sobre ciclofaixas.

Acontece que para tratar desse tema, assim como para falar e também para conviver com ele é preciso sempre dar uma disfarçadinha.

Esse episódio se passa em uma manhã de novembro, mas poderia ser em qualquer outra. Aconteceu com uma amiga de uma amiga minha, mas poderia ter sido com qualquer mulher. Janaína, vamos chama-la assim, estava no escritório, sentada, digitando. Em uma descuidada cruzada de pernas, sentiu ali algo fora do contexto. Fora do contexto de data, não de localização geográfica. Era ali mesmo que aquilo devia estar, só não naquele dia, naquela hora.

ilustração da Carolyn Suzuki, na série “My Body My Rights” (siga: @carolynsuzuki)

Como, apesar do imprevisto, tal acontecimento também não é novidade na vida de nenhuma mulher, segurou a respiração e olhou em volta, como se aquilo que aconteceu naquela cruzada de pernas fosse evidente para todos no escritório. Concentrou-se e, desejando poder mudar aquela situação só com o pensamento, ficou parada na posição por alguns segundos. Não tinha jeito: tinha sangue no meio das pernas da Janaína.

Janaína era uma mulher bem resolvida, independente, segura de si. Ela sempre acreditou que agiria naturalmente caso isso acontecesse algum dia. Ai do homem que se incomodasse com uma manchinha de sangue, pensava. Acontece que na hora que se sente uma massa de consistência pastosa e quente entre as coxas, o Grande Irmão que é o patriarcado volta todos seus olhos para você. Onde estava a força e independência da Janaína?

Hora de traçar uma estratégia. Era impossível calcular os danos sem chamar atenção. A essa altura já estava evidente para Janaína que, para evitar correr o risco de que todos seus colegas vissem uma possível mancha vermelha em seu traseiro, deveria arrastar a cadeira de rodinhas da firma pela calçada até a farmácia mais próxima. Seria um pouco complexo, porém, não chamar atenção escada abaixo.

Decidiu-se por esperar o escritório esvaziar na hora do almoço, correr até o banheiro e fazer um reconhecimento ocular do dano. Quarenta e cinco minutos. Janaína tenta concentrar-se na planilha com o inventário do estoque nesse meio tempo, mas é tomada por um acesso de espirros. As mulheres sabem o quão danoso pode ser um acesso de espirro na situação da Janaína. Sem opções, Janaína cruza as pernas com ainda mais força, como se pudesse estancar aquele fluxo com força muscular.

Meio dia. Aos poucos, o escritório esvazia-se em grupos de pessoas saindo para o almoço. Janaína diz que precisa terminar o relatório e irá mais tarde. Olha em volta para certificar-se de que está segura. O estagiário da contabilidade ainda está lá, sua cadeira danosamente posicionada em direção à porta. Janaína força seus olhos míopes para enxergar a tela e vê um vídeo de humor no YouTube. Torce para que esteja interessante demais para que ele levante os olhos, ou terá que matá-lo mais tarde.

Janaína sai em disparada em direção ao banheiro. Abaixa as calças trêmula, preparada para a carnificina que a espera. Encara duas gotas vermelhas no fundo da calcinha. Alarme falso.

A moça então pôde ir tranquilamente até a drogaria mais próxima, comprar seus absorventes fora de época, dirigir-se a um restaurante e pedir pra usar o banheiro. Ao sentar-se a mesa, está decidida:

“Nhoque. Ao molho vermelho”

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Giovanna Indelicato
Revista Subjetiva

roteirista e diretora de todas as fanfics que já passaram pela minha cabeça