Crianças na cena das migrações internacionais

A crise migratória foi posta novamente na cena mundial no mês passado. Desta vez, com crianças protagonizando e representando o sofrimento de migrantes e refugiados em todo o mundo.

Ana Paula Risson
Revista Subjetiva
5 min readAug 5, 2018

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Capa da Revista Time.

Para começo de reflexão, entender imigrantes e refugiados requer o exercício da empatia e olhar humanitário. Sem isso, a questão burocrática e legal sempre será posta a frente e estes sujeitos continuarão sendo concebidos como danosos para as sociedades em que chegam. Não é possível compreender os migrantes e refugiados, sem conhecer suas motivações para o deslocamento — a chegada e vida no país de destino é só um fragmento de toda sua história. Portanto, no meu entendimento, analisar e reduzir o fenômeno pela perspectiva legal é simplificar um fato que é complexo e multifatorial. Uma pessoa migrante, só está nesta condição porque busca melhores condições de vida. Não teriam migrado se estivessem felizes, realizadas e seguras em seus países. Enfim, é desta perspectiva que escrevo o texto a seguir.

Hein de Haas, sociólogo, compreende a capacidade de mover como uma liberdade fundamental do ser humano. Essa liberdade refere-se a capacidade das pessoas escolherem onde querem viver, inclusive de ficar no seu país. No entanto, há milhares de pessoas no mundo que não podem permanecer onde estão pois há risco de morte eminente, que é o caso de, por exemplo, situações de pobreza, desastres naturais, guerras civis, conflitos religiosos, condições de gênero, dentre outros (HASS, 2014). O risco da tentativa de migrar é menor do que o risco de ficar.

As fotos de crianças enjauladas nos EUA e seus áudios chorando ou o menino Aylan morto na praia da Turquia são reflexos — a pontinha do iceberg — de um fenômeno mundial: a crise migratória.

Fonte: Página Iba Mendes / Homenagem a Aylan Kurdi

Se para a maioria de nós o sofrimento humano nos causa comoção, quando se trata de crianças a dor e desesperança são ainda maiores. E, talvez por isso, notícias que envolvam crianças e questões migratórias repercutem com tamanha proporção. Não por menos!

O caso da detenção de crianças e separação de seus pais nos EUA é resultado da política migratória americana. As autoridades americanas não mostram-se abertas a dialogar sobre sua política migratória, o que faz se agravar todo o cenário de migrações, visto que seu país é um dos mais procurados.

Quanto mais rígidas as fronteiras migratórias de um país, maior será a condição de vulnerabilidade e repressão dos imigrantes ou refugiados. Políticas migratórias rígidas não impedem as pessoas de migrar, mas sim, colocam imigrantes em maior risco, no percurso e na permanência no país de destino.

As crianças são ineridas nestes contextos migratórios por seus familiares, que objetivam vida melhor a elas. Não havendo a possibilidade ou interesse em deixar os filhos no país de origem, eles seguem viagem com os pais ou familiares.

De acordo com a Unicef, em 2018, temos aproximadamente 30 milhões de crianças deslocadas a força em todo o mundo. “A agência da ONU dedicada à infância avisou que essas crianças vulneráveis precisam ter acesso a proteção e serviços essenciais para mantê-las seguras agora, bem como de soluções sustentáveis para garantir seu bem-estar a longo prazo.” (Fonte: Unicef)

Entre 2015 e 2016 foram registradas, no mínimo, 300 mil crianças desacompanhadas ou separadas de seus responsáveis, em cerca de 80 países (Fonte: Unicef). Os motivos que tornam as crianças desacompanhadas ou separadas dos pais são muitos, desde as políticas restritivas dos países de destino (caso dos EUA) até a morte de seus responsáveis, no país de origem, no trajeto ou no país destino.

“Crianças desacompanhadas e separadas correm maior risco de tráfico, exploração, violência e abuso. As crianças representam aproximadamente 28% das vítimas de tráfico em todo o mundo.” (Fonte: Unicef)

Ou seja, como disse acima, as crianças nos EUA e Aylan na Turquia são a ponta de um fenômeno infinitamente maior e complexo. Ainda há muitos outros episódios envolvendo crianças e a crise migratória. Chamo atenção para as crianças vivendo em campos de refugiados.

Integram os dados acima, milhares de crianças que moram em campos de refugidos, localizados em diversos países, que abrigam refugiados de diversas nacionalidades — neste momento, principalmente sírios.

Na Jordânia existem diversos campos de refugiados, somando 1,3 milhões de pessoas que fogem de diversos países em conflitos. Deste contingente, aproximadamente 20% são crianças. (Fonte: EuroNews)

Campo de refugiados de Zaatari, um dos maiores da Jordânia. Foto: ACNUR/Jordi Matas. (Fonte: ONU)

Em Uganda, em outro campo de refugiados, que abriga pessoas que fogem dos conflitos no Sudão do Sul, “mais de cinco mil crianças refugiadas sul-sudanesas não acompanhadas foram forçadas a fugir da guerra civil em seu país e chegaram em Uganda sem seus pais” (Fonte: UNHCR/ACNUR)

“Muitas dessas crianças testemunharam o assassinato de familiares ou se separaram no momento da fuga. Elas foram forçadas a virar adultos, a se tornarem responsáveis por si mesmas e por seus irmãos mais novos”. (Suwedi Yunus Abdallah, especialista do ACNUR em proteção de crianças)

De camisa branca, Kenyi John, de apenas 17 anos, cuida de seus irmãos. © ACNUR/Catherine Robinson. (Fonte: ACNUR)

Por ser um fenômeno complexo e multideterminado, a migração humana (sejam imigrantes ou refugiados) impõe desafios aos países e exige que sociedade civil esteja mais sensível às pessoas que não escolheram estar nesta condição, inclusive as crianças.

“Jessy, de 6 anos e Winner, de 4 anos, chegaram no Brasil no colo da mãe escondidos no porão de um navio vindos do Congo. A mãe, a congolesa Sylvie Mutiene, de 34 anos, teve que fugir deixando a filha mais velha e o marido para trás por causa da perseguição política.” (Fonte: BBC/Projeto fotográfico)

Finalizo este texto triste com um suspiro de esperança. Se as crianças são nosso futuro, é por elas que devemos começar as mudanças, ou, é com elas que devemos aprender (?). A Unicef tem uma linda e emocionante campanha chamada “O que nos apaixona nos une”. Se tivermos um motivo que nos une, teremos um motivo para nos unir.

Referências e sugestão de leitura

ACNUR — Alto Comissionado das Nações Unidas. Campos de refugiados. (acesso)

ACNUR — Alto Comissionado das Nações Unidas. Crianças enfrentam novos perigos em campos de refugiados em Uganda. (acesso)

HASS, Hein de. Migration Theory — Quo Vadis? Oxford University: International Migration Institute, 2014.

UNICEF — Cerca de 30 milhões de crianças deslocadas por conflitos precisam de proteção agora e soluções sustentáveis em longo prazo. (acesso)

BBC —News. O Brasil pelos olhos de nove crianças refugiadas que vivem em São Paulo. (acesso)

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