Debates e a República em frangalhos

Um pouco sobre o #NaJanelaFestival — evento online de não ficção promovido pela Companhia das Letras.

André Arrais
Revista Subjetiva
3 min readMay 23, 2020

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Companhia das Letras (2020)

Assistir debates, principalmente no que é a CNN Brasil hoje é o equivalente a ver uma rinha de galo. Estabeleça um tema, quanto mais ordinário e pauta quente possível melhor, pegue duas pessoas com credenciais dispares, cuja uma é notoriamente mais bem informada e outro é marqueteiro, coloque-as em um círculo para “debater”. Quem ganha? Você decide. Nesta rinha, o comprometimento com uma busca pela verdade é secundário ou até mesmo terciário, se trata de parecer verdadeiro. É a estética de verdade envelopada em falácias lógicas e ataques ad hominem.

Qualquer coisa é verdadeira o suficiente quando se fala com propriedade e essa máxima ainda está valendo para tempos de COVID-19. Por exemplo, não preciso apontar provas substanciais ou uma quantidade razoáveis de estudos sérios comprovando que Cloroquina é um tratamento viável, só é preciso olhar nos olhos dos seus espectadores e dizer com a segurança de um mentiroso.

Logo a modalidade dos debates, ao menos como são conduzidas neste exato momento, no melhor dos casos um erro do jornalismo atual e no pior dos casos, uma farsa. Mas isso não quer dizer que a ideia do debate não é, em si, ruim. Ela só aposta em cavalos xucros.

O #NaJanelaFestival é um evento online que dos dia 22 ao dia 24 de maio está reunindo mesas de discussão sobre literatura de não-ficção com autores brasileiros em lives abertas para o público. De imediato é um daqueles eventos que passaria baixo de qualquer radar e que quem presencia acaba ganhando um presente mais do que bem-vindo.

Para minha surpresa, que acreditou que seria um debate — e automaticamente já estava no mesmo espírito de presenciar algo similar aos debates da Globo News, que são mais refinados do que os da CNN Brasil, mas não menos tendenciosos — entre as autoras Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa M. Starling sobre “A República em frangalhos” com mediação da jornalista Patrícia Campos Mello, esta última que guardo com profundo respeito e admiração.

Em uma hora de conversa, Lilia e Heloisa não só comentam sobre a crise do COVID-19, que perpassa de ser meramente sanitária, como também é política, com isto, ambas também criam conexões históricas com a pandemia da gripe espanhola, dando insights que por si só mereciam um estudo se não um livro sozinho dada as suas diferenças da pandemia atual, mas que ao mesmo tempo, tem suas curiosidades históricas como a passagem das enfermeiras da cruz vermelha. Por fim , deram o foco na ruptura da república, seus motivos de ser, de existir e as falhas do Brasil enquanto sociedade.

Longe de ser um palco, mas não menos do que um espetáculo, fazia-se muito tempo que não tinha tamanha surpresa em ver duas notórias acadêmicas ter um diálogo que mais soou a uma aula bem conduzida que subsequentemente me remeteu a anomalia dos tais “debates”. O erro talvez seja não só as credenciais dispares ou os dois ladismos, mas a incapacidade de promover uma reflexão de fato e um diálogo que dia após dia estamos mais e mais inaptos a ter.

Mais do que um deleite, em menos de trinta de minutos adentro da conversa já foi suficiente para me arrepender de não conhecer o trabalho de tamanho brilhantismo de ambas as autoras — tal fato já está sendo corrigido neste exato momento — e mais do que nunca, o Brasil ou pelo menos eu, me encontro faminto não só pelo intelecto de tamanho dessas mulheres, mas desse tipo de conversa.

Não um debate, mas uma conversa.

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André Arrais
Revista Subjetiva

Graduado em Direito, escritor e invariavelmente cansado.