Demarcação Urgente: mais que um show, uma reflexão

Evento destacou a importância das demarcações de terras indígenas no país

Gabriel Caetano
Revista Subjetiva
4 min readJun 13, 2019

--

Artistas e militantes que participaram do Demarcação Urgente na última quarta-feira — Foto: Instagram Felipe Cordeiro/Reprodução

Na última quarta-feira, 05 de junho, foi celebrado o Dia Mundial do Meio Ambiente. A data é comemorada desde 1972, celebrando os 47 anos da primeira Conferência das Nações Unidas sobre o tema. Aproveitando a deixa das comemorações, Chico César, Céu, Letícia Sabatella, Felipe Cordeiro e Marlui Miranda apresentaram o show Demarcação Urgente, baseado no vídeo da música Demarcação Já, composição de Chico e Carlos Rennó. Sonia Guajajara e DJ MAM fizeram intervenções artísticas no decorrer do espetáculo, que ainda contou com a presença de Kunumi MC, rapper indígena da etnia guarani. A direção artística foi de Carlos Rennó, a produção musical de Xuxa Levy e a Casa Natura Musical, em São Paulo, o espaço escolhido para a apresentação.

O clipe da música “Demarcação Já”

“Todos nós estamos carregando uma luz em meio a esse momento de trevas. Momento em que a vida está cada vez mais ameaçada. Nunca esteve tão ameaçada no mundo e, particularmente, no Brasil”, disse Carlos Rennó ao público que compareceu a Casa Natura para prestigiar e dar força a luta das mais de 300 etnias indígenas existentes no Brasil. Demarcação Já!, canção que inspirou o show, é uma epopeia sobre a batalha histórica desses povos que continuam sendo ameaçados pelos “barões” do nosso país. A música foi lançada num vídeo de André D’Elia em maio de 2017, durante o Governo Temer, sendo o tema da campanha realizada pelo Greenpeace e ISA-Instituto Sócio-Ambiental em prol da demarcação. 23 artistas participaram do clipe, entre eles Chico César, Céu, Letícia Sabatella, Felipe Cordeiro e Marlui Miranda, todos participantes do show de quarta.

“Por muitas vezes, nós e nossas ancestrais, tivemos que nos reinventar frente à violência desse sistema. Sistema que tentou nos oprimir, escravizar nossos povos, sistema que destrói nossos ecossistemas e tenta soterrar a nossa espiritualidade. Mas nós vamos permanecer, somos a resistência”, afirmou uma ovacionada Sonia Guajajara em emocionante intervenção artística — o ponto alto da noite. Sonia ainda destacou que os indígenas não serão coniventes com leis e políticas injustas que destroem o meio ambiente e enfatizou que não é apenas a política ambiental que está sendo destruída, mas o futuro do povo brasileiro, seja pelos rumos do governo atual, desastres com barragens de grandes mineradoras, alto nível de agrotóxicos em nossa alimentação, entre outras coisas.

Por que é necessário demarcar?

Indígenas na Câmara dos Deputados em 2015 — Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Em seu site, a Fundação Nacional do Índio — Funai afirma que o “direito dos povos indígenas às suas terras de ocupação tradicional configura-se como um direito originário e, consequentemente, o procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas se reveste de natureza meramente declaratória. Portanto, a terra indígena não é criada por ato constitutivo, e sim reconhecida a partir de requisitos técnicos e legais, nos termos da Constituição Federal de 1988.” Simplificando: isso quer dizer que a definição de terra indígena não é a mesma de propriedade privada, já que segue critérios relativos a tradições e costumes..

Demarcar terras indígenas é uma garantia de proteção ao patrimônio histórico e cultural brasileiro, conforme rege o Art. 24, inciso VII, da Constituição, sendo dever da União e dos Estados o seu cumprimento. Além disso, a demarcação é uma forma de proteger o meio ambiente e a biodiversidade de ameaças como o aquecimento global, fato negado por Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos, e Ernesto Araújo, atual chefe do Itamaraty.

Talvez a principal necessidade das demarcações seja os conflitos agrários. Segundo o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, publicado anualmente pelo CIMI — Conselho Indigenista Missionário e atualizado com dados de 2017, houveram 96 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos ou danos ao patrimônio. 110 indígenas morreram assassinados. Para se ter uma ideia, 37 mortes foram registradas em 2004. O relatório do CIMI também contabiliza 20 casos de conflitos relativos a direitos territoriais, sendo que Maranhão, Rondônia e Santa Catarina lideram a lista com três casos cada. Outro problema apontado pelo relatório é a omissão e morosidade na regularização de terras durante o governo de Michel Temer.

Em uma de suas primeiras decisões como presidente, Jair Bolsonaro assinou a medida provisória 870, delegando ao Ministério da Agricultura e não a Funai a tarefa de demarcar terras indígenas no Brasil. Vale lembrar que a pasta é comandada por Tereza Cristina, conhecida pela boca pequena como “Musa do Veneno”. Já a Funai deixou de ser subordinada ao Ministério da Justiça, sendo transferida para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos comandado pela advogada e pastora evangélica Damares Alves. Em 22 de maio, o Governo Bolsonaro sofreu uma derrota na Câmara dos Deputados, já que o plenário aprovou relatório sobre a reforma administrativa contida na MP 870 com alterações. A Funai voltou para o Ministério da Justiça, capitaneado pelo ex-juiz Sérgio Moro, e as demarcações voltaram a ser responsabilidades da Funai, órgão fundado em 1967. No dia 29 de maio, o Senado ratificou a resolução da Câmara dos Deputados sem alterações. Apesar dessa vitória dos indígenas, é muito cedo para comemorar. O texto está aguardando à sanção presidencial e o perigo está aí. Por isso, mais do que nunca, é necessário clamar por demarcação já!

--

--

Gabriel Caetano
Revista Subjetiva

Já fui frentista, troquei óleo de carros, limpei balcões, servi mesas, prestei serviço pra multinacionais e fiz um doc sobre o blues. Agora tô aqui, escrevendo!