Depois dos 30, só os creminhos são nossos amigos
Quando criança, detestava encostar na minha mãe e sentir aquele Nívea tomando todo seu corpo e lambrecando o meu. O abraço era de longe, o toque enojava, fugia de toda e qualquer senhora que abria os braços e deixava o cheiro de amêndoas atormentar o cômodo. Torcia o nariz, corria pra longe, enxugava o braço na camiseta, na toalha da mesa, na tinta áspera da parede, no que visse pela frente.
Mas os 30 vem e com ele o estresse, o cansaço e a abonança preparada no banho de deixar as costas vermelhas. O gozo encanado explode e se divide em finos fios que atacam todo torcicolo, tensão e cansaço, levam ao ralo o prazo, as alterações, as entregas, as contas, aquilo que não bate, o lanche no lugar do almoço, o desgosto do estômago com os cafés empurrados em tentativa de golpear o prazo, as alterações, as entregas e todo o restante. E, assim, aos 30, a pele se desfaz, como se toda angústia cotidiana estivesse atracada a si e fosse hora de partir. Parte, racha, machuca, vira pequenos pozinhos que sujam o chão a cada passar de mão soando seu “choooooor, chooooooor”, porque a mão também está sertaneja.
É aí que vem a redenção, os Natura, Avon, Avatin, Nívea, as amêndoas, macadâmia, cacau e o escambau. Que deslizam pela pele, prometem rejuvenescer, trazem pessoas photoshopadas do jeito que a gente deseja ser, têm em seus rótulos imagens confortáveis de coisinhas gostosinhas que queremos até tocar, deixam a pele como veludo de novo, cheirosinha, gostosinha, por um momento viramos mais novos, mais volúpias e parece até que a umidade íntima revigora. Ponto aqui, ali, acolá, massageia… E enquanto os dedos debandeiam o vigor, sinto que aos 30 só os cremes corporais são meus amigos.
Vejo minha sobrinha, abraço, ela corre, esfrega o braço na camiseta, na toalha da mesa, nas plantinhas da cozinha, no sofá da sala, no tapete do quarto e até o meu cachorro entrou na dança. É… só os cremes me entendem.