20 anos no armário

Luíza Motta
Revista Subjetiva
Published in
5 min readMay 31, 2017

Quando paro para pensar sobre a vivência da minha sexualidade, tenho lembranças de todos os tipos, inclusive algumas bem confusas e outrasque me causam enjoo. Hoje sou assumidamente lésbica, mesmo que eu não goste muito de rótulos. Mas é o que mais me agrada. Então, aqui vai um desabafo e várias declarações.

Mesmo que eu não me arrependa da maioria das minhas histórias — afinal, elas constroem quem eu sou hoje — foi em grande parte uma farsa. Calma, vou explicar. Gostei e fui apaixonada, sim, por todos os meus namorados. Não teria namorado cada um deles se eu não tivesse algum sentimento envolvido. Porém, o real motivo de eu ter tido esses meninos em minha vida não era o mais incrível de todos.

Desde o primeiro momento que tive contato com a “vida gay”, depois do meu primeiro beijo em uma menina, me escondi atrás de namoros heterossexuais por problemas familiares. Quais? Principalmente a falta de comunicação. Deste momento até o que vou relatar a seguir, tive medo de acontecer justamente o que houve, por isso não tentei “sair do armário” antes.

Por conta de vários problemas, me obriguei a não viver minha sexualidade. Passei a dizer que eu era bissexual, já que, para meus amigos, eu nunca havia escondido que eu gostava do gênero feminino. Mas minha família não estava ciente dessa minha descrição. Ao ter a minha primeira conversa com minha mãe, eu estava passando por uma série de situações e ela achou que eu estava saindo com uma menina apenas porque eu estava com raiva, rebelde. Simplesmente porque não a contei todo o ocorrido, ela interpretou desta forma. E então, a partir deste dia, pensei que não seria aceita e não poderia levar nenhuma namorada à aminha casa. Durante a tal conversa que tive que me “assumir”, muitas coisas foram ditas. Que era uma fase, que eu era apenas uma criança — eu tinha 15 anos quando tive o primeiro relacionamento homoafetivo e essa conversa aconteceu — , que eu não era assim, que aquilo não era a filha dela, que eu não sabia o que queria da vida, que essa não era a vida que ela queria para filha.

Depois disso, a depressão me atacou. Cheguei a frequentar uma psicóloga, mas eu não confiava nela e não contei nem metade das coisas que se passavam comigo. Passei anos me escondendo em namoros que eu sabia que não durariam, porque eu não queria que durassem. Porque eu sabia que não era meu lugar. Passei anos me julgando e me culpando, tentando entender o motivo de eu não ser como minhas irmãs, por exemplo. Como eu poderia viver em uma família onde eu não me sentia aceita? Isso não existia para mim. Cheguei a pensar em suicídio. Algumas vezes. Me cortei, outras tantas vezes.

Sim, algum tempo depois eu “melhorei”. Pelo menos eu achava que sim. Mas a depressão é uma amiga que vai, some… mas só faz uma viagem. Ela voltava de vez em quando e eu só passava mais tempos sofrendo por não poder ser quem eu era. Na minha própria casa eu não podia ser livre (para uma aquariana isso é um tanto quanto frustrante, né?!).

Pois bem, até meus 19 anos eu dizia que eu era bissexual, afinal eu sempre namorei homens e até cheguei a gostar e ter prazer em alguns momentos. Mas eram momentos. No fundo, no fundo, eu continuava sentindo certo nojo, me forcei a proporcionar prazer a outra pessoa, mesmo que eu não estivesse lá muito a fim. Por não gostar e não ter vontade de fazer nada com homens, cheguei também a falar que eu era assexual. Mas o problema eram eles, sempre foi. Eu sabia que se fosse uma mulher eu estaria bem contente.

Meus namoros foram maravilhosos. Tá, nem tanto assim… diversas dificuldades, pressões externas e internas, infelicidade. Mas não me arrependo, hoje isso me dá força para guerrear com quem for preciso para definir meu lugar e minha história.

Tive a sorte de, faltando pouco mais de um mês para completar 20 anos, conversar novamente com minha mãe e contando minha verdadeira história lá dos meu problemas aos 15 anos, e entendendo que todo meu sofrimento foi por não falar. Por medo, porque eu era ameaçada; porque tive que terminar com uma menina; porque eu entrei em depressão e passei anos chorando escondido. Tive a sorte de ela compreender, aceitar e não me julgar — mais — por eu ser quem sou. Mas tenho a consciência de que sou uma das poucas, dentro dessa minoria. Conheço histórias extremamente perto de mim de pessoas que seus pais expulsaram de casa, proibiram de ir a outro lugar que não fosse a escola, bateram. Na mesma época em que eu estava ali batendo na porta do armário para abri-la, e tive medo de isso acontecer, inclusive foi um dos motivos de eu ter escondido por tanto tempo.

Atualmente sou respeitada e muito bem aceita pela minha família. Amada e sei disso. Inclusive, quando eu percebo o quanto as pessoas me querem bem, fico bem emocionada. Depois de anos sofrendo porque eu não era eu, porque eu era infeliz para tentar agradar minha família e ser quem ela queria que eu fosse, poder dar orgulho sendo quem eu sou é um passo maior que o tamanho do Sol.

Este texto está sendo escrito com um único propósito: pedir compreensão e atenção. E dizer que quem passa por situações de opressão não está sozinho. Alertar o quanto é devastador para alguém que não tem suporte familiar. Eu tinha todos os meus amigos à minha disposição para eu conversar e ser quem eu era, mas a minha família era o que mais importava. Sempre vai ser para nós. É extremamente importante o apoio familiar e não há nada de errado ou doentio em sermos assim. Ter que esconder sua verdade é a coisa que mais pode arrasar o psicológico de uma pessoa. Ter que se omitir, fingir… fui feliz em meus namoros, por algum tempo. Mas sempre faltou algo, porque aquilo não era eu. Eu não sou assim. E não ser quem você é, pode te destruir a vida.

Tá, não foi um propósito só. Mas enfim…

Hoje um dos meus maiores orgulhos é poder ser eu mesma e me dá prazer conseguir colocar a cara para fora e lutar por esses direitos sem ter que bloquear minha família dessa minha realidade. Tenho orgulho de ser quem eu sou, mas sei que muitos não têm, por culpa do medo. Poder discutir e argumentar, mostrar o quanto não tem absolutamente nada demais em ser LGBTQ+.

Quero pedir compreensão e amor, porque está faltando nesse mundo. Mais respeito, menos julgamento. Quero que entendam que alguém que se sente sozinho por falta de laços familiares compreensivos pode ter uma atitude muito séria, inclusive de suicídio — que a taxa é 5 vezes maior que pessoas heterossexuais — , e isso é preocupante. Alarmante.

Preço nenhum paga você poder ser você da sua forma mais bonita e mais sincera.

Clique no ❤ e deixe o seu comentário. Se quiser mais privacidade, nos mande um e-mail para rsubjetiva@gmail.com

Segue a gente no Facebook|Twitter|Instagram.

Temos um grupo para nossos leitores e autores, entre aqui.

Receba textos exclusivos e 1 e-mail por semana com tudo que rolou clicando aqui e se inscrevendo na nossa newsletter.

--

--

Luíza Motta
Revista Subjetiva

Romântica em tempo integral e (quase) psicóloga. ❤