Dez por pessoa

Maithê Prampero
Revista Subjetiva
Published in
3 min readJul 9, 2020
Foto de cottonbro no Pexels

Sexta a noite, fim da semana dita útil, quando o fim de semana tantas vezes é mil vezes mais útil. Pelo menos para o que realmente importa. Vontade de pedir uns salgadinhos. Daqueles de festa. Bolinha de queijo, uns risoles (termo em português brasileiro é parte da cultura), um refrigerante para acompanhar. Quase pedi um bolo para cantar parabéns, porque os salgadinhos são símbolo dos aniversários. E aniversário tem bolo.

Pedi. Devia ser entre dezenove e vinte horas. Horário de começar “qualquer negocinho em casa”, para as pessoas íntimas. “Marque as sete e meia, porque vão chegar só as oito”. Sempre assim. Mas há os que chegam seis e meia. Ansiosos. E os que chegam nove e meia. Sem noção.

Fiz o pedido. Aguardei ansiosamente. Interfone tocou e fui buscar meu pedido. Abri a caixa com os salgadinhos, pronta para devorar e sentir todos os aniversários voltarem. Não voltaram. Senti apenas gosto de massa. E de queijo. Não senti aniversário ou comemoração. Só comi.

Depois de muito pensar percebi que não era vontade de salgadinhos. Era vontade de confraternizar. De juntar as pessoas amadas. E pensar no pedido: “a gente pede cem?”, “tem que calcular, são uns dez para cada, mas tem quem coma mais e quem coma menos”, “Acho que cem dá então”. Falta de escolher uma playlist e ouvir gente falando: “depois vai tocar a minha” ou “adoro essa música”. Saudade é o nome.

E não adianta massa de mandioca. Não contempla a saudade. Era e é saudade de conversar, rir, discordar, concordar. De falar: “eu não aguento mais comer, mas pegarei mais uma bolinha de queijo”. E de esperar o bolo. O parabéns.

De virar o celular e falar: “olha todo mundo para cá”. E perceber que meu braço é o mais curto. “Outra pessoa vai ter que tirar”. Esse negócio de selfie é difícil as vezes. E esse outro saudade é mais ainda.

“Não corta o bolo, quero fotografar”.

Com quem será? Rá tim bum. Rosto vermelho, falaram justo daquela pessoa no com quem será. Mas agora preciso pensar no primeiro pedaço. Importante que seja para alguém especial. Todos que estão aqui são especiais. Ferrou. Vai para ela. Não tem erro. Te amo!

Os salgadinhos estavam bons, mas não com o que gosto que eu esperava. Esperava matar saudade com eles, mas saudade se mata com presença. Com afeto. Com abraço.

Da próxima vez eu vou tentar encher bexigas e colocar um parabéns de papel na parede. E, claro, estar com quem amo. Talvez o gosto seja o mesmo. O gosto do agora nunca é o do antes. Nostalgia o nome.

Se a quarentena não deixar, vou pedir salgadinhos e ligar para alguém que amo, presença se sente de muitas formas. E com certeza não esquecerei do bolo. Verei uma série ou ligarei na novela. Vou colocar minha playlist. E viver a minha saudade, a nostalgia. A falta.

E quando for possível visitar e juntar as pessoas, já sei qual prato vou sugerir. Com aquela playlist. Talvez cem ou cento e vinte. Calcule dez por pessoa.

E o com quem será? Hoje serei eu e eu. Amanhã não sei.

P.S.: calcular dez salgadinhos por pessoa costuma dar certo, mas sempre peça uns a mais. Também dá certo.

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