O sonho americano — Diário de uma Mochileira #2

Juliana Barreto Tavares
Revista Subjetiva
Published in
4 min readMay 9, 2017

A indústria cultural norte-americana é capaz de nos forjar um ideal de vida que sequer suspeitamos perseguir. Com os enlatados e congelados, as propagandas e os filmes, os seriados e as músicas, simplesmente compreendemos e desejamos de alguma forma esse estilo de vida. Mesmo os movimentos de contra-corrente de certa forma se parecem com os que lá já existem, com pautas parecidas e demandas que mal compreendemos, apenas repetimos.

Os especialistas em diferenças culturais costumam dizer que o humor é a área mais impenetrável de uma cultura, o mais difícil de traduzir e o que menos parece compreensível para o outro. Isso se faz muita verdade para mim. Canso de ver filmes europeus e entender que aquele deveria ser o momento engraçado e, ainda assim, não acho graça. Uma das poucas exceções nesse sentido é o cinema americano, que com toda a debilidade em seu roteiro, consegue extrair genuínas risadas.

Acho que é assim pra quase toda classe média do Brasil, que involuntariamente consome essa cultura. Tirando os descontruidxs que foram educados sem nenhuma importação cultural, apenas se apropriando do que já existe no Brasil, quase toda criança sonhou em conhecer a Disney.

Concordo em partes com Suassuna quando ele diz que o Castela da Cinderela é na verdade o Castelo da Ignorância. A vida em tons pastéis, os enredos totalmente centrados em homens salvadores e a total incoerência entre um rato ter um cachorro de estimação que não fala, ao mesmo tempo que seu melhor amigo é também um cachorro que, mesmo bobo, fala até que bem seriam motivos o suficiente para não gostar da Disney. Mas sentido é algo que a gente tá sempre buscando e nunca acha, enquanto entretenimento, é só estar lá passivamente e acontece. Pelos motivos citados, a Disney era a minha viagem dos sonhos.

Tudo começou bem, a minha estatura acima da média para idade me permitiu ir em vários brinquedos. (Aventura — Checked) Eu tinha 7 anos, idade suficiente para acreditar na magia e gostava bastante de rosa, então super me identifiquei com a Casa da Minnie. Havia também aquelas imitações de outros lugares do mundo e aquela proto-mochileira já se encantou com a possibilidade de conhecer vários lugares do mundo.

A primeira decepção veio com o Pluto. No seu autógrafo havia em letra cursiva a palavra Pluto. Ele não era um cachorro? Ele não só sabia latir? A sua assinatura não deveria ser uma patada (no melhor sentido da palavra, é claro!)? Já ali comecei a ver o mundo mágico não tão bem organizado assim, já comecei a ver a ilusão se desmoronando diante dos meus olhos atônitos.

Depois veio a constatação do que todas as vós nos ensinam: saco vazio não para em pé. Você deve se perguntar? Nos Estados Unidos tem algum saco vazio? Com aquele mundaréu de comida e porções extra-grande alguém consegue ficar com fome? Acontece que eu, que nunca fui uma mini Bela Gil e nem era tão saudável assim não conseguia mais comer comida em caixinhas.

MacnCheese e hamburguers cansam uma hora. Não tinha como achar normal comer sanduíche no almoço? Cadê o arroz e feijão? Cadê aquele tomate cortadinho? E o suco de fruta com gosto de fruta? Delírios tropicais que se perderam no mundo do fast food. Junta-se a isso um sol escaldante e a receita de uma desidratação perfeita. Uma dieta a base de Gatorade e muita torcida pelo próximo restaurante brasileiro que eu podia encontrar, descobri que o entretenimento poderia ser legal, mas o sabor de casa era inconfundível.

Sobrevivi à Disney, mas com certeza grande parte da magia foi embora. Jurei a mim mesma nunca mais rejeitar feijão e fiz uma boa greve de sanduíches na minha vida. Depois de lá, segui pra Nova York, onde além de conhecer letreiros e outdoors luminosos, vi uma cidade cosmopolita e quis fazer parte desse mundo gigante.

Faz tempo que não vou a parques temáticos e quebrei minha promessa de não comer porcaria em viagens anos depois. Sem a organização de excursões e com o dinheiro apertado, o McDuplo de um euro serviu muitas vezes de refeição balanceada.

Viagem com crianças é sempre mais complicado, tem a fila do banheiro que elas não aguentam, a comida que enjoa, o sol que deixa doente. Mas é preciso começar, nem que seja pra cidade do lado. O ritmo a gente pega na prática e a experiência a gente só constrói vivendo.

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