Disfarces

“Todos os dias se olhe no espelho e diga: você merece ser feliz!”

Rafael Oliveira
Revista Subjetiva
3 min readSep 2, 2022

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Aquela tarde onde você disse que eu merecia ser feliz sem nem me conhecer direito (uma foto, um flerte, uma mentira e um ardor). Mas porque eu mereço ser feliz? O que fiz para isso? Todos nós não merecemos? Você nem me conhece direito!

Ou talvez esteja divagando em uma cortesia boba e verdadeira, onde não existe necessidade de pensar muito. Platão e Aristóteles fariam um panaceia, pauta da academia?

Quando se apresentou pra mim e fui procurar saber de você por aí, logo entendi qual a sua, “peguei a vibe”, entendi as regras que regem seu mundo extraordinário e meio melancólico. A sua bio, as suas descrições de si, os emojis, a foto de perfil em tons de intimidade numa mesa bebendo vinho, as bandeiras dos países que você já foi. Isso é tão típico, você é desses homens, firme, intelectível, dramático (e quem não é hoje em dia?) e objetivo. Tem tantos desejos.

Você abre a porta, atravessa a rua, os carros reduzem, passa a mão nos cabelos despreocupado com o tempo da cidade, mas veste uma delgada capa de insegurança, já que confiança em excesso te faria estúpido.

E aí está a nossa diferença, pois embora você negue, nós não somos iguais. É mesmo uma mania universal achar que somos os seres mais individuais do mundo ou eu e você somos os únicos. Eu sou simples, recorrente, datado, fora de contexto. Bem no fim da minha lombar, você pode até ver a data de válidade, de dez anos atrás. Vivo por teimosia.

Olho pros dois lados da rua, mesmo que ela esteja vazia.

Incontáveis vezes você quis dizer que minha pele cintila ao sol, mas o que estou tentando dizer é que minha derme é terreno escarpado. A linguagem não está só no que falo, faça o favor de olhar para mim (e me ver) enquanto falo com você.

Estava tentando te comunicar algo com a boca e com os olhos enquanto você olhava mais para baixo. Ou para a tela do celular. Passei dias me perguntando “quando você vai liberar o banco do carona do seu carro e me deixar sentar aí na frente?”

-Quais seus requisitos para gostar de alguém?”
-Olha, sou um homem simples. Só que tem que gostar de mim primeiro, não ser chato e não me tratar como um lixo. São exigências difíceis, tenho ciência. Mas tenho esperança, sabe?

E você quase me entendeu, chegou perto. Sacou a questão, não é?! Aninhado nos seu braços como um pardalzinho que machucou a perna (o coração) enquanto você me conta o que estuda, algo sobre o cuidado com a aprendizagem humana e dificuldades cognitivas. Foi ali que quase botei tudo (a mim mesmo) a perder.

Mas você quer algo que não posso lhe dar. Você quer algo que não possuo.

Pois sempre pensei se sou realmente digno do amor. Nunca achei que fui. Sempre foi algo alheio, que está na atmosfera e não posso pegar. Como gás, como vapor. Algo que se condensa na mão dos outros e que felicidade para eles. Viva aos amores que “dão certo”!!!! E então me ponho a tentar substituir essa coisa, essa flama, não sabendo que não se substitui. E aí corre o perigo, das coisas que existem num limbo de contradição.

Eu posso sentir o cheiro de família, a ardência, a fragrância, o som de uma gargalhada. Mas tudo é quase um ruído, diáfano.

Você está dificultando muito minha vida esses dias…

Mas figuro o dia que vou te dizer que te amo e você irá dizer que não pode fazer nada quanto a isso. E você me disse “eu vou te amar para sempre", mas ontem você não me amou.

Nunca aprendi a não apanhar, qualquer afeto que fuja disso ainda me deixa nervoso. E nunca aprendi a não transformar tudo em tragédia, minha corrente literária.

Mas não há mais tempo.

O cigarro que você acendeu, fumou e apagou a bituca na minha íris.

Me ensinaram que quando desejo deixar um lugar da qual não quero voltar, devo jogar gasolina, riscar um fósforo e deixar queimar. Sabe? Pra não correr o risco de voltar, numa madrugada, 2 da manhã, cheio de excessos e abcessos.

E hoje, você está distante de todas as formas. Foi um adeus indolor, um dos únicos que tive em minha vida. Pois sabia (ah como sabia) que isso também tinha data de validade.

E está tudo bem, obrigado.

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Rafael Oliveira
Revista Subjetiva

Você está nos meus dedos e nos meus pensamentos, embora só escreva de você para falar de mim. Rafaeloljs@gmail.com