Dois poemas novos e um antigo ( ou A Trilogia do Cinema)

Gabriel Caetano
Revista Subjetiva
Published in
3 min readAug 31, 2018
John Cassavetes e Gena Rowlands — um casal de cinema

Faz muito tempo que não escrevo nada aqui. Nos últimos tempos me dediquei a outras atividades, mas consegui escrever dois novos poemas e eles estão aqui embaixo. Senti que eles tem certa conexão com um poema antigo que escrevi chamado “Enquanto você dorme”. Já publiquei ele aqui, mas acho que tenho que colocá-lo novamente. Espero que gostem!

Edifício Paraíso

Enquanto prédios desabam lá fora

Me sinto seguro aqui, agarrado em seu corpo

Enquanto há fogo pela cidade

Sinto as chamas que saem do seu torso

E mesmo discordando de toda miséria

E falta de humanidade que estão lá fora,

Há misericórdia no calor deste quarto.

Momentos de prazeres individualistas,

Que só dizem respeito a nós.

Será que estamos sendo injustos,

Já que há tanta bagunça nas ruas?

Não importa agora.

Apenas coloque seu lindo corpo por cima do meu

E desabe, assim como o luar sobre a Terra

Ou os edifícios que avistamos pela janela!

Super-8

Tô precisando de ti, mas você nem imagina

Fico procurando seu cheiro em minhas roupas,

E não encontro nada mais, apenas a monotonia da minha rotina.

Em uma jaqueta antiga, no bolso, encontro um velho ingresso de cinema.

Era da sessão que vimos juntos de um filme chato, mas que pouco importava,

Já que era seu rosto que minha mente filmava.

Registrei na Super-8 do meu cérebro cada abertura de boca e de pernas.

O desenho das suas mãos grandes, cheias de veias complexas.

Tenho o teu gosto em minha boca e sinto o teu sabor a todo momento.

Às vezes até clamo a Deus pra ter uma oportunidade de te ver de novo

Um exagero, mas sinto que corro contra o tempo.

Não quero que esse fotograma vire vinagre

Nem espero que se transforme num sucesso comercial.

Mas, quando chega a madrugada, fico procurando o seu corpo

E nele quero por a minha impressão digital

Num copião final, assisto ao seu gozo

E, com o passar das horas, na minha sala de edição,

Busco certo sobriedade diante do meu olhar,

Fico tentando remontar qualquer momento de amor que seja prazeroso.

Num piscar de olhos, acordo,

Vejo que tudo isso não passou de mais um sonho.

Enquanto você dorme

Vejo a tatuagem da suas costas.

Você dorme e, enquanto sonha, observo a suas marcas.

Foi uma noite mágica, apesar de pequenas mentiras.

De ambas as partes, que fique claro.

Estar dentro do seu corpo deveria ser um crime inafiançável.

Preciso de um bom advogado pra me libertar disso.

Talvez o Sr. Jack Daniel’s seja o homem perfeito para o serviço.

Encosto meus dedos levemente em você — não quero te acordar.

Sinto sua respiração enquanto seco o meu suor.

Filmo os seus seios com a minha pupila descarada.

Com a câmera na mão, fingindo ser Dib Lufti,

Faço do seu corpo Cinema Novo.

Dou um close-up no seu rio de prazer.

Quero descobrir em qual oceano ele vai desaguar.

Seus pés relaxam.

Suas pernas ficam dobradas de maneira suave.

E, sem eu perceber, você acorda.

Um sorriso frouxo nos lábios.

A preguiça e o prazer estampados na cara.

Acho que é a hora da próxima rodada.

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Gabriel Caetano
Revista Subjetiva

Já fui frentista, troquei óleo de carros, limpei balcões, servi mesas, prestei serviço pra multinacionais e fiz um doc sobre o blues. Agora tô aqui, escrevendo!