Domgeorn: mitologia, lendas e história cantadas em línguas arcaicas

Disco da banda inglesa Ragnarok relata passado em composições escritas em old english e old norse; canções são baseadas nos manuscritos conhecidos como Crônicas Anglo-Saxãs, poesia escáldica e poemas folks

Diego Cataldo
Revista Subjetiva
5 min readMay 11, 2018

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(Foto: source-of-steel.com)

Álbuns baseados em História, Mitologia e Lendas europeias dentro do Heavy Metal estão longe de ser novidade. Discos e mais discos sobre os acontecimentos do Velho Continente podem ser achados facilmente para audição. Entretanto, poucos têm o poder de despertar uma enorme curiosidade no ouvinte. E este é o caso do Domgeorn, da banda inglesa Ragnarok.

Primeira página da Crônica de Peterborough (Foto: Wikipédia)

Com letras no Old English e no Old Norse, a banda te leva para um passeio na história da Inglaterra do século XI, quando a Bretanha sofria com invasões dos Vikings da região conhecida como Escandinávia. As canções são baseadas nas Crônicas Anglo-Saxãs, manuscritos que contam as histórias dos anglo-saxões, em poemas antigos e nas Eddas. O álbum é um prato cheio para os amantes de História.

O DISCO

A dobradinha þe Him & Hrefnagod Gaelð e Wodnesuno, que abre o disco, dá o tom do que o ouvinte irá encontrar no correr do álbum. Enquanto a primeira canção bebe na fonte do folk/pagan clássico com violão, percussão, orquestrações e vocal limpo, a segunda apresenta um vigoroso Black Metal com vocais rasgados.

Os tambores iniciais em þonne Waeron We Haeleð nos remetem a um chamado para a guerra. Há uma pausa onde é possível perceber um diálogo que logo é sucedido por algo semelhante a um lamento e que abre passagem para o característico vocal rasgado do Black Metal. Depois disso a música se encaminha de forma épica para um final glorioso.

Monumento em homenagem a Byrhtnoth, em Maldon (Foto: History Extra)

To Wælhealle narra a Batalha de Maldon ocorrida em 11 de agosto de 991 d.C. Na ocasião, os anglo-saxões capitaneados por Byrhtnoth lutaram contra a invasão viking liderada por Olaf Tryggvason na região de Essex. A canção soa como um trecho retirado de um filme épico. Basta fechar os olhos que todas as cenas imediatamente virão a cabeça.

Vale citar a reprodução do som de um corvo em algumas músicas presentes do disco. Na mitologia nórdica/celta, o corvo tem grande representatividade. Conta a História que Odin, o Deus Nórdico, tinha dois corvos, Huginn (Pensamento) e Muninn (Memória), que sobrevoavam Midgard e levavam informações sobre o Mundo para o seu senhor Odin. Entre os celtas, os corvos são associados aos campos de batalha e a guerra. Morrigan, a Deusa Celta da guerra, transformava-se em corvo.

Uma trinca de canções no inglês moderno mantêm o nível do disco. A primeira delas, Legion Of Death, fala sobre pai e filho lutando lado a lado em uma batalha. Esta foge da pegada do original do álbum e flerta com o Heavy Metal tradicional.

Samhain traz de volta a atmosfera folk/black em uma canção que fala sobre os festejos na passagem de ano celta, passagem esta realizada na troca de estações do ano. Samhain representa o Verão e Beltane representa o Inverno.

Baseada em uma tradicional canção folk britânica, John Barleycorn é uma bela balada acústica onde o Ragnarok fala, da sua maneira, sobre o mítico personagem da cultura celta. E engana-se quem acha que Barleycorn é um homem.

Na verdade, John é uma metáfora. Sua figura representa a personificação dos ingredientes básicos para a confecção da cerveja: cevada, malte e trigo. Ao dizer que John Barleycorn deve morrer, isto significa que todos os ingredientes devem ser semeados, colhidos e misturados para a produção de bebidas alcoólicas.

Beloved Of The Raven God encerra o disco de forma magistral em uma ode ao animal que simboliza toda história que circunda o álbum: o corvo. Orquestrações e o canto dos pássaros que nos leva a um cenário lindo funcionam como pano de fundo para uma interpretação emocionante de Deörþ nesta homenagem ao Deus Corvo.

EDDA EM PROSA E CRÔNICAS ANGLO-SAXÔNICAS

As fontes inspiradoras para a composição de Domgeorn foram as Eddas, um conjunto de prosas escritas pelo historiador islandês Snorri Sturluson, em 1220, e que é apontado como o primeiro manual sobra a mitologia nórdica, e as Crônicas Anglo-Saxônicas.

Páginas da Edda em Prosa (Foto: Reprodução)

As crônicas são textos que narram a história dos anglo-saxões. O primeiro manuscrito foi escrito no final do século IX, em Wessex. A partir daí, cópias foram enviadas para mosteiros em toda a Inglaterra e ganharam complementos independentes dos monges.

Os manuscritos não resistiram ao tempo e apenas nove ainda podem ser vistos nos dias de hoje, mas nenhum dele é original. Todos são frutos de reimpressões que foram feitas com o passar dos anos.

A BANDA

O único pecado técnico cometido por Deörþ (vocais, baixo, guitarras acústica e teclados (programação), e Stenfält (guitarras, baking vocals) neste disco é a falta de uma bateria de verdade. O instrumento foi programado por Deörþ, deixando o som um pouco plástico e claramente falso. Porém, este pequeno deslize é compensando pelas músicas em geral.

A banda contou com músicos convidados na gravação do álbum. São eles: Sean Barry, na harpa; Richie F. Ewok, nos instrumentos folks e percussão; Giovanna Fella, nos vocais; Phil Tylar, no violino; e David Youll, nos teclados.

Deörþ e Stenfält (Foto: Metal Archives)

O Ragnarok foi fundado na cidade de Newcastle, em 1988, tendo lançado três demo-tapes (“Ragnarök” e “Völuspá” em 1991, e “Beloved Of The Raven God” em 1995) e o full-length “To Mend The Oaken Heart” (1997) antes do lançamento de “Domgeorn”. A banda chegou a gravar o seu terceiro disco chamado “Þridda” nos anos 2000, mas as gravações, segundo informações do site Metal Archives, foram perdidas.

É uma pena que há poucas informações sobre o Ragnarok na internet. Com isso, é praticamente impossível saber sobre o que todas as letras do disco tratam — em especial as cantadas em línguas antigas. É impossível até saber o significado do título do álbum. O que é ou quem foi Domgeorn? De todas as formas, o disco cumpre bem o seu papel que é entreter através da música e da História.

Ragnarok: Domgeorn (1999)
1. þe Him & Hrefnagod Gaelð
2. Wodnesuno
3. þonne Waeron We Haeleð
4. Sigorleoð
5. Ni Fuil an Sabras Aðragad Deað
6. To Wælhealle
7. I Hear the Mountain
8. Legion of Death
9. Hliðescleof
10. Samhain
11. John Barleycorn
12. Þæt Æsctreow
13. Beloved of the Raven God

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