Elaborando neuroses e monstros

Maria Elisa Nascimento
Revista Subjetiva
Published in
2 min readSep 15, 2021
Créditos: yui_njee

Eu sinto muito ciúme. Tenho pavor de ser abandonada e trocada. De que descubram que existe muita gente bem mais bonita, interessante, carinhosa e divertida do que eu. E não é só com relação a romances, minha angústia é universal! E bate no trabalho, com amigos, família e até com as minhas coisas.

Quando criança e esse sentimento aflorava, minha reação era chorar, espernear, fazer bico e brigar. Agora que sou adulta e entendo melhor essa coisa toda, procuro assistir o ciúme vir, me inundar e ir embora.

Okay, eu ainda choro e faço bico, mas reclusa. Às vezes, quando tenho intimidade e o incômodo está grande demais, falo com quem eu amo. Nem sempre com a calma que gostaria. Ainda me pego discutindo, mas sem essa ideia da posse maluca.

Acho importante ressaltar que eu sei que ninguém pertence a ninguém.

As pessoas não são coisas, e mesmo se fossem, ainda seria possível emprestar, por exemplo. O problema é que me incomoda olhar pra algo que me veste bem e perceber como fica muito melhor no corpo de outra pessoa.

Mas e aí, o que eu faço com isso? Há dias em que fico de mal de pessoas que não fazem ideia que estou carrancuda com elas. Minha cabeça pega fogo, eu crio enredos e desfechos absurdos. Sofro, choro, me corroo por dentro.

E o outro protagonista da minha novela mental? Bom, na vida real essa alma sortuda acha que está tudo bem entre nós. Vive os próprios surtos, sem sequer desconfiar que no meu imaginário estamos em uma briga homérica porque eu descobri que ele ama mais aquela outra pessoa, que eu nem conheço direito, e talvez nem ele.

Eu construo todo um palco para que os dois (ou três, ou quatro) encenassem uma linda história na qual eu fico de fora. Na platéia, assisto queimando de nervoso. Depois gasto uma sessão inteira de análise narrando cenas e a raiva, mas sempre deixando bem claro:

Racionalmente eu sei que nada disso aconteceu. Mas emocionalmente estou destruída!

Neurótica? Talvez, mas consciente também, tá? Juro que ainda não enlouqueci por completo!

Minha terapeuta costura pacientemente as palavras que eu repito e me ajuda a procurar um sentido. Um padrão. Qualquer porcaria de narrativa que a criança que fui inventou e continua performando. Daí, quem sabe eu não canso e decido começar outra história?

Eu não sei como resolver esse meu emaranhado. Mas enquanto tento me convencer de que é completamente possível que as pessoas se afeiçoem por mais de uma pessoa ao mesmo tempo.

Mas… Rezo secretamente para que quem eu amo não conheça gente mais interessante, descolada e divertida que eu. Deus me livre de ser substituída!

--

--

Maria Elisa Nascimento
Revista Subjetiva

Apaixonada por palavras desde o dia em que aprendeu a falar, ela é curiosa e questionadora sobre tudo. Mora na Selva de Pedra e trabalha com Audiovisual.