Arquivo Pessoal

Em defesa das crônicas

Leandro Marçal
Revista Subjetiva

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Por Leandro Marçal

Se eu não tivesse uma credencial com a palavra IMPRENSA escrita assim, com letras maiúsculas, pendurada no peito, é bem provável que eu também buscasse uma das senhas para acompanhar, atentamente, o bate-papo sobre crônicas com Antonio Prata e Miriam Leitão no Salão de Ideias da 25ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo.

Os motivos pelo meu interesse devem ser óbvios para meus raros leitores e leitoras: o ofício e as referências ali, a poucos metros de mim.

Acredito que ambos dispensem apresentações, mas vá lá: Antonio Prata é cronista da Folha de São Paulo, autor de Trinta e Poucos; Nu, de botas; Meio intelectual, meio de esquerda e outros mais. Também é roteirista na TV Globo. Miriam Leitão é colunista de política e economia no jornal O Globo, apresenta programas e comenta sobre o mesmo tema nas TVs Globo, Globo News e rádio CBN. Autora de livros como A Saga Brasileira, História do Futuro e Tempos Extremos. Na Bienal, lança Refúgio no Sábado, uma coletânea das crônicas publicadas neste dia da semana no blog de seu filho, Matheus Leitão.

Ele ficou sentado ao meu lado esquerdo, na fileira de trás. Fez cara de sem graça quando a mãe coruja o pediu que levantasse. Da minha cadeira, poderia encostar no vidro que me deixava observar, vez ou outra, a movimentação do lado de fora. Preferi me atentar aos convidados à minha frente.

Miriam começou falando dos sonhos que vem realizando desde mais jovem. Um deles era publicar crônicas, apaixonada por Rubem Braga há décadas. Comentou sobre um capítulo dedicado a elas no primeiro livro lançado, que deu ideia para que o filho a convidasse — ou intimasse, como só os filhos são capazes de fazer — a escrever crônicas em seu blog no sétimo dia de cada semana.

Antonio — tomei a liberdade de tratá-los pelo primeiro nome, me sinto íntimo dos cronistas e espero que eles não me xinguem se lerem isso — chegou a esboçar um breve histórico do gênero literário, que nasceu para quebrar o hardnews dos jornais diários.

— A crônica é a única forma de literatura com um quê de entretenimento: podemos fazer isso pelo lirismo, como o Rubem Braga; pelo humor, à Millôr Fernandes; ou transitar por todos estes, como é o caso do Luís Fernando Veríssimo. O romancista e o contista não têm esse compromisso, podem experimentar muito mais, pouco importando se houver apenas quatro leitores compreendendo seus escritos.

E quanto à inspiração, Miriam?

— A crônica é anarquista: eu mando na minha coluna, mas a crônica manda em mim. Ela aparece a hora que quer, como no dia em que um beija-flor não conseguia sair de uma sala, que tinha a porta aberta, mas tentava fugir pela janela de vidro, ainda que tentássemos avisá-lo do caminho para ir embora. Muitas vezes, não encontramos uma saída e ficamos iguais a ele, não é mesmo?

Tive vontade de passar horas conversando com eles quando Miriam nos trouxe uma frase de um dos maiores cronistas brasileiros, um tal Nelson Rodrigues. “O tempo passou em vão sobre a nossa dor”. Foi em uma leitura antes da última Copa que a jornalista se deparou com o texto escrito às vésperas do primeiro título mundial de futebol do Brasil, em 1958. Pois se o tema era futebol, a definição de Antonio sobre os gêneros literários é um golaço: “O romance é o futebol de campo. A crônica é um futebol de salão, em que precisamos cortar e driblar os adversários em pouco espaço, com muita habilidade”.

E a trivialidade desse gênero, Antonio?

— Me surpreende que as pessoas se surpreendam com a banalidade da crônica, porque 99% da vida é banal. Às vezes, a banalidade é uma pista do real, como na crônica.

Enquanto ele considera a crônica um gênero de ficção, criando quase 100% de seus textos (“nem sempre o Antonio da crônica é o Antonio da vida real”), ela se apega à realidade dos fatos prosaicos que passam pelos nossos dias massacrantes.

Dentre alguns dos problemas desses tempos digitais, ambos concordaram no da não-compreensão da ironia. Miriam a definiu como a arma mais poderosa de um escritor. Antonio chegou a ter que escrever uma crônica para explicar que uma crônica anterior não deveria ser entendia de forma literal.

Ela vê com naturalidade as porradas que toma pela esquerda e pela direita. Muito mais pelas colunas econômicas e políticas que pelas crônicas, é verdade. Ele não se livra disso e sabe do ódio ambidestro das redes sociais. A vida segue.

Quando perguntei sobre o futuro do gênero literário em discussão, já que os jornais impressos perdem espaço para a internet, ambos viram nisso um fato positivo. Há muitos lugares para se produzir crônicas no mundo virtual e uma nova geração busca espaço. Só poderia sair dali animado. Mesmo quando meu cronista favorito saiu antes do esperado, enquanto pegava palavras em um canto com a Miriam, que nos brindou com palavras para seguir em frente, mesmo que não seja fácil.

- Olha, eu acho que escrever é resistência, então o jornalismo é isso. Você tem que entender os caminhos são difíceis, nunca foi fácil. Ao longo da minha longa vida profissional, e são mais de 40 anos de trajetória, nunca houve dia fácil. Eu queria que as pessoas soubessem, quem escolheu o jornalismo, quem escolheu escrever: continue, não desista. Escreva sempre. Cada texto tem que ser trabalhado, elaborado, reelaborado, o outro texto vai ficar melhor. É uma profissão e um trabalho que você nunca vai dizer:”agora já sei tudo”. Talvez o médico consiga, em outra profissão exista isso. Mas não no jornalismo, nem no ofício do escritor. Quero deixar essa palavra de resiliência. Permaneça, permaneça fazendo o que você gosta de fazer.

A Revista Subjetiva está cobrindo a 25° Bienal do Livro de São Paulo, acompanhe nosso site para mais informações e novidades sobre o evento!

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Leandro Marçal
Revista Subjetiva

Um escritor careca e ansioso. Autor de “De Letra: o futebol é só um detalhe” e “No caminho do nada”. Cronista no Tirei da Gaveta (www.tireidagaveta.com.br).