Entenda a Reforma Trabalhista segundo um advogado especialista em Direito do Trabalho

Raphael Fassini
Revista Subjetiva
Published in
7 min readMay 3, 2017
Foto: Fabio Rodrigues/Agência Brasil

Na madrugada do dia 27 de abril, por 296 votos a 177, a Câmara dos Deputados aprovou projeto que altera a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), a Reforma Trabalhista. O Projeto prevê, entre outras coisas, o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical, possibilidade de aumento da jornada de trabalho para 12 horas diárias, o acordo entre patrão e empregado terá mais valor do que a lei e limita o acesso do trabalhador à justiça, dificultando a sua busca pela aplicação de seus direitos.

Em contrapartida, organizado por líderes sindicais, trabalhadores e movimentos sociais, o dia 28 foi marcado por paralisações em diversos setores e manifestações contra o governo e suas medidas. A Greve Geral que parou o país em desagrado ao governo foi um marco histórico nacional e trouxe à tona uma importante discussão sobre o tema e seus eventuais prejuízos ao trabalhador.

Dividindo a sociedade, a Reforma Trabalhista tem os seus defensores que acreditam que a CLT é um conjunto de leis antigas que deve ser revista, pois a forma de trabalho no país mudou; ela geraria mais empregos à medida que flexibilizasse a relação empregador x empregado, e daria mais poder ao empregado para negociar seus benefícios. Por outro lado, os críticos à Reforma acreditam que ela vem para tornar mais desigual ainda essa relação empregador x empregado, uma vez que o empregado pouco pode oferecer em uma eventual negociação de admissão; tiraria direitos trabalhistas conquistados a duras penas pelos trabalhadores ao longo da História e, principalmente, os contrários a ela acreditam que essa medida do Governo visa atender uma solicitação do empresariado que deseja aumentar seus lucros à custa de menos custos com empregados.

Mas, afinal, o que realmente a Reforma Trabalhista altera de tão importante nas atuais leis de trabalho?

Para responder isso, consultei o advogado e especialista em Direito Trabalhista, Diogo Fassini, para explicar os pontos que, segundo sua análise, merecem mais atenção e prejudicariam totalmente os trabalhadores brasileiros.

Segundo Fassini, é importante ressaltar que “embora tenha sido consolidada na década de 40, a legislação trabalhista foi sofrendo inúmeras alterações; seja para revogar artigos, alterá-los ou acrescentar outros”, refutando assim o argumento falacioso de ser um conjunto de leis antigas que nunca foram modificadas.

Para o advogado, “existem sim algumas medidas razoáveis e necessárias como a regulamentação do teletrabalho (com algumas ressalvas em alguns pontos), a simplificação da criação de cargos e carreiras pela empresa; alteração dos prazos processuais, que deixam de ser contados em dias corridos e passam a ser contados em dias úteis, acompanhando assim o novo Código de Processo Civil; a regulamentação das indenizações por danos morais, estabelecendo critérios para sua quantificação, tornando assim mais seguro para empresa na hora de avaliar seus riscos no processo; a possibilidade da empresa apresentar uma garantia bancária como meio para garantir seu recurso processual, liberando assim o caixa da empresa que poderá investir esse dinheiro que antes ficava alocado e bloqueado na CEF; entre outros. Porém deixa claro que “os benefícios são razoáveis, mas os malefícios são totalmente prejudiciais ao trabalhador, o que torna uma medida desigual em contrapartidas”.

Listamos abaixo alguns itens que o advogado acredita ser extremamente prejudicial ao empregado:

  • Fim da obrigatoriedade da Contribuição Assistencial (Imposto Sindical):

Para Diogo, “a grande maioria das críticas feitas aos sindicatos são verdadeiras, pois, em sua parcela, se tratam de associações que representam categorias com milhares de trabalhadores, mas que possuem poucos associados; há aquelas que estão mais preocupadas com o dinheiro do que o interesse dos empregados. Porém, esses problemas não traziam tanto impacto, uma vez que os sindicatos só podem negociar vantagens aos trabalhadores, nada além disso”. Contudo, a partir da reforma, essa relação será alterada dando ao sindicato a responsabilidade de negociar redução de direitos também. “Imagine um sindicato sem representatividade e sem dinheiro negociando seus direitos. Isso só enfraquecerá o trabalhador numa negociação coletiva, pois retira o poder econômico dos sindicatos, tornando-o ainda mais suscetível às negociatas do empregador.”.

  • Convenção ou Acordo coletivo passa a valer mais do que a lei:

De acordo com a reforma, aquilo que for estabelecido através de negociação ou acordo coletivo passará a ter supremacia frente ao estabelecido pela CLT. “Isso não é uma novidade, já que pelas regras anteriores à reforma isso já era possível. Contudo, apenas era possível quando fosse para estabelecer direitos melhores que a CLT, ou seja, beneficiar o trabalhador. Agora, porém, a negociação coletiva poderá estabelecer algumas desvantagens ao trabalhador.” alerta Fassini.

Neste ponto, a reforma visa regulamentar a negociação entre as partes, propondo que para cada direito reduzido deverá haver uma contrapartida. Em caso de redução do horário de almoço, por exemplo, a empresa deverá apresentar um benefício em contrapartida. Porém a reforma não especifica quais são as contrapartidas que devem ser oferecidas pela empresa e, para Diogo, é justamente aí que há um grande problema, pois “tendo em vista que as convenções/acordos coletivos anteriores só estabeleciam vantagens, pode ser que a empresa ofereça como contrapartida à um direito reduzido algum benefício que já existia anteriormente, como, por exemplo, o plano de saúde como contrapartida à redução do intervalo. Neste caso, a negociação só viria para prejudicar, já que a contrapartida não seria nenhum direito novo.” afirma.

  • Honorários de sucumbência:

De acordo com a reforma trabalhista, caso o trabalhador perca o processo, ainda que de forma parcial, terá que pagar honorários aos advogados da empresa, são os chamados “honorários de sucumbência”. Esses honorários seriam em torno de 5 a 15% do valor referente ao pedido perdido. “Assim, se um empregado entrar com uma ação pedindo 4 direitos (horas extras, adicional noturno, férias e verbas rescisórias) e perder 1 pedido, terá que pagar honorários por este pedido perdido. Logo, se o pedido que ele perdeu valia 10 mil, o empregado terá que pagar de 500 a 1500 reais aos advogados da empresa. Dificultando ainda mais seu acesso à justiça.” alerta o advogado.

  • Indicação do valor exato da ação

Pela reforma, no ato do ajuizamento da ação, o empregado terá que indicar o valor exato da sua ação, sob pena da mesma ser julgada extinta. “Isso significa que o empregado terá que contratar um contador para calcular o valor da sua ação. Levando em conta, como apresentado acima, ele, em caso de perda, deverá arcar com honorários do advogado do empregador, isso faria com que o empregado pensasse duas vezes antes de entrar na justiça contra a empresa. Dificultando mais ainda seu acesso a ela.” explica Fassini.

  • Justiça Gratuita

De acordo com a reforma, um empregado que ganhe acima de R$ 1.600,00 (30% do valor teto do benefício da previdência), poderá ter que arcar com as custas do processo, caso não prove que não tenha condições de arcar com essas despesas. “Atualmente, os empregados têm acesso à justiça gratuita indistintamente, salvo algumas raras exceções. Isso, novamente, irá dificultar ainda mais o acesso do trabalhador à justiça.” alerta novamente.

  • Homologação da rescisão

Pela reforma trabalhista as rescisões não serão mais homologadas no sindicato. Atualmente, todos os empregados com mais de 1 ano de empresa deverão ter suas rescisões homologadas no sindicato. “Isso significa que os empregados não terão assistência alguma no saneamento de dúvidas relacionadas à sua rescisão ficando a mercê da empresa e de deus próprios conhecimentos.”. Lembrando dos pontos anteriores, dificilmente um empregado entraria com uma ação de reparação contra a empresa, ainda mais se não tivesse certeza do prejuízo.

O advogado conclui dizendo que “o ordenamento jurídico é formado pelos direitos e pelas garantias, onde direito é aquilo que você pode e deve fazer. Já as garantias são os meios pelos quais você exercerá seu direito. Em uma exemplo básico, todo trabalhador tem o direito ao registro em carteira e, em caso de desrespeito desse direito, sua garantia é o livre acesso à justiça. Alguns pontos dessa reforma não foram baseadas no princípio do Direito do Trabalho, como, por exemplo, o princípio de proteção ao trabalhador e, embora modernizem e atualizem as relações de trabalho, não protegem o trabalhador.”.

Baseado em tudo isso, é mais do que claro que a Reforma Trabalhista visa realmente atender às solicitações do empresariado brasileiro que, em tempos de crise, quer aumentar o seu lucro e encontrou na, praticamente, extinção da CLT e justiça do trabalho, uma forma de alcançar isso.

De acordo com o portal jornalístico independente The Intercept Brasil, que examinou as 850 emendas apresentadas por 82 deputados durante reunião de discussão na comissão especial do projeto da Reforma Trabalhista. Dessas, 292 (34,3%) foram integralmente redigidas em computadores de representantes da Confederação Nacional do Transporte (CNT), da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística).

Informações como essas, além de toda explicação de especialistas, nos mostram quem realmente está por trás dessa “reforma” e a quem ela visa beneficiar.

Fazendo coro à Raduan Nassar, em seu pronunciamento na entrega do Prêmio Camões de literatura, podemos dizer que “vivemos tempos sombrios, muito sombrios”.

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