Entre a esquerda e a direita, coitado de quem está no centro

No meio do fogo trocado entre esquerda e direita, o centro, no Brasil, é um ralo, um redemoinho

Felipe Moreno
Revista Subjetiva
4 min readNov 27, 2018

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(Cartum: Bruno Maron)

Nem sempre é fácil dar moral a uma esquerda que, quantas e tantas vezes, é puro compêndio e papagaiada: se sustenta em meia dúzia de raciocínios e expressões que nasceu em Marx, se renovou em Foucault e se esvaneceu em Paulo Freire. Nada mais.

E a esquerda mais ortodoxa— e robusta na teoria — , aquela cujas teses estão mofando em departamentos acadêmicos desde 1968 e os ecos de suas vozes não são capazes de atravessar a primeira esquina do campi das universidades, esta ainda parece não ter acordado para o século 21. Você fala em automação do trabalho, em inteligência artificial, em Big Data, em algoritmos, em engenharia genética, e eles te devolvem com a mesma papagaiada de 50 anos atrás: burguesia, luta de classes, tomar os meios de produção.

Quer dizer, a única grande e expressiva atualização da esquerda, no geral, nos últimos anos, foi anexar em sua agenda o ativismo identitário. Mais que isso: elegeram a pauta das lutas identitárias como a mais importante de todas as pautas da esquerda. O mais urgente não é dar poder ao trabalhador, mas discutir abertamente as questões de gênero. Não é desmontar as elites, mas fazer com que mulheres negras possam fazer parte da elite. Etc. E, mais uma vez, parou por aí. E não sabemos até quando.

Faça um teste: vá a qualquer DCE universitário, ou qualquer outro movimento estudantil ou partidário da esquerda e levante as questões sobre os verdadeiros e principais desafios para esta primeira metade do século — principalmente os relacionados às rupturas tecnológicas e à catástrofe ambiental — e veja quais são as respostas. Não tem respostas. É provável, aliás, que alguns se engasguem ou tenham um repentino acesso de tosse. Até conseguirem sair pela tangente e tomar as rédeas do raciocínio, sem poder deixar escapá-lo da noção materialista histórico dialética de mundo.

(Millôr Fernandes)

Por outro lado, se é difícil dar moral para as esquerdas, muito mais indigesto é conseguir abraçar a direita no Brasil. Tenho a vaga impressão de que a direita brasileira séria, bem fundamentada, coerente e sã, é composta por um grupinho mínimo que tem vergonha de se autoproclamar de direita para não se associar aos imbecis que batem no peito e cospem para falar que são de direita. Ou seja, a direita séria no Brasil é recatada e ressabiada. Tem vergonha de se expor, não sai do armário.

E eu os entendo. Pois é óbvio: quem realmente sério e são, avesso à esquerda, vai querer seu nome associado a Olavo de Carvalho, uma espécie de anomalia intelectual? Um homem que é versado em Platão e Aristóteles, porém, assustadoramente, não conseguiu acender uma faísca de luz sequer nas suas trevas internalizadas. Um conspirador lunático e perigoso, afogado em delírios teológicos; um homem que, dada a sua persuasão e capacidade de arrebanhar novos imbecis enfurecidos, carrega consigo, visivelmente, traços de sociopatia. Um homem que, dada a sua retórica delirante e escalafobética, parece flertar com a esquizofrenia.

E o resto, o resto é chacota, infâmia, patifaria: MBL, Lobão, Roger, do Ultraje a Rigor. Rodrigo Constantino. Alexandre Frota. Qual pessoa, séria e sã, avessa à esquerda, quer ter suas ideias associadas às ideias do Alexandre Frota? Perdão, é preciso reformular a pergunta: qual pessoa, séria e sã, avessa à esquerda, quer ter suas ideias associadas ao embuste oco, oportunista demagogo, chamado Alexandre Frota?

Tudo isso me faz pensar que muita gente se associa à esquerda não por simpatia ideológica, mas por falta de opção digna. Por não querer passar vergonha, para manter o status.

Mas e o centro? Existe um centro? Acredito que sim. E penso que, no meio do fogo trocado entre esquerda e direita, o centro, no Brasil, é um ralo, um redemoinho, um cano de esgoto, que as duas pontas, mas principalmente a direita, dão descarga por não poder e não querer reconhecer sua existência — a esquerda torce o nariz, acha que é uma questão de indecisão, de ficar em cima do muro; e a direita escalafobética à la MBL e Lobão, estupidamente generalizante, não pode ver um centro ponderado que já quer associá-lo à esquerda radical.

Para essa direita míope e ressentida, até o centro é leninista-marxista, comunista, petista. E agora, por conta da vitória nas urnas, essa gente está inflada de arrogância e ainda mais febril. É capaz que se você falar que é um budista que segue o caminho do meio, te xingarão de petista, comunista, anticristão.

Em tempo: o Brasil não é um país de meio-termo. Aqui, quem pondera é escoado ralo abaixo.

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Felipe Moreno
Revista Subjetiva

Haicaísta com ternura, prosador com afiação (e vice-versa). Autor de “o bambu balança” (Bestiário, 2022): https://tinyurl.com/36r2kc4j