Aurora Aksnes — by:Larm 2015. Foto: Kim Erlandsen, NRK P3 (Flickr)

Entre dois mundos

O talento e a sensibilidade de Aurora Aksnes

Tassio Denker
Published in
7 min readOct 27, 2017

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Foi em março de 2017. Eu navegava pelo Facebook quando uma destas postagens aleatórias, advindas de algum compartilhamento, caiu no meu feed. Era a imagem de um vídeo, com uma garota, aparentemente adolescente e de feições ingênuas, mas com um título nada sutil: Murder Song. Confesso que a primeira impressão foi de curiosidade, em especial pelo choque entre a imagem, serena, e o título da música, agressivo. Resolvi dar play no vídeo que, além de tudo, era legendado.

Pois é, o que é a tal da curiosidade: agora estou aqui, remando em áreas não muito seguras, falando sobre mundos e sobre esta jovem cantora norueguesa que, talvez, deixe de ser desconhecida do grande público muito em breve.

Vou fazer algo que estava totalmente fora dos planos, quando decidi escrever este texto. Deixarei o mesmíssimo vídeo, traduzido pelo Portal Aurora Brasil, para que vocês mesmos encerrem por aqui esta leitura ou, então, me encontrem no parágrafo logo abaixo.

Murder Song — Aurora Asknes — Portal Aurora Brasil

O.K, presumo que você tenha assistido o vídeo. Mas se não assistiu e mesmo assim quer continuar com o texto, espero que ao fim dele eu tenha despertado em você ao menos a mesma curiosidade que eu tive.

Não estou aqui para escrever uma biografia ou detalhar objetividades sobre a cantora, por isso vou deixar de lado detalhes como idade, local de nascimento ou outras informações que, neste momento, são irrelevantes.

Vamos falar de subjetividades. De empatia e de mundos. E, para tanto, vou partir de alguns conceitos que, embora sejam pessoais, não são necessariamente meus.

Eu acredito que todos os seres pensantes que habitam este nosso planetinha chamado Terra também vivem em outros mundos. Mundos internos. Estou falando de nossa relação com nós mesmos, de nossos mundos interiores, nossa imaginação, nossos medos e nossos sonhos. De macro e microuniverso.

Algumas pessoas, mais objetivas, sequer põem os pés nestes cantinhos que são só seus. Na verdade, talvez, a grande maioria. Somos drenados por um sistema que desde muito cedo nos impõe um ritmo de estudo, de trabalho, de paradigmas sociais, compromissos e resultados. Voltamos nossos desejos para as coisas mundanas, um carro do ano, um iPhone da vez, ou então relações idealizadas e selfies em Paris. Mas raramente nos vemos sozinhos.

Mas também existem pessoas que, por outro lado, gostam da solidão. Não que elas não gostem de outras pessoas — não é isso. É que elas também gostam delas mesmas. Gostam de estar sozinhas, da própria companhia e de imaginar, sonhar ou viver em planos que são só seus, em seus mundinhos particulares. São pessoas subjetivas, muitas vezes recatadas, outras vezes tímidas, embora não existam regras que as definam. Gente que se encanta com detalhes, como o som da chuva, as cores dos insetos ou cheiro das estações do ano.

Nós nos dividimos entre estes termos, mas não de forma regular, em grupos completamente definidos, como se estivéssemos em caixas; o que temos são pessoas que se espalham sutilmente, de forma degradê, nos diferentes tons desta mesma paleta. Umas mais subjetivas ou objetivas que as outras.

Eu, por exemplo, me vejo como uma pessoa mais subjetiva que objetiva. Me dou bem comigo mesmo e não fico triste quando estou sozinho. Não sou daqueles que ligam para todos os amigos da agenda para encontrar uma festa ou uma mesa de bar. Não que eu não goste. Eu gosto. Mas também vivo muito bem quando estou sozinho. Tenho meus pensamentos, meus sonhos, minhas histórias e muitos textos inacabados em minha mente, que me ocupam e me dão prazer.

Não é sobre mim que eu quero falar, mas achei necessário expor tais particularidades porque elas refletem, de certa forma, a maneira como eu vejo as pessoas. E foi assim, meio ausente, “subjetivando”, que eu me peguei logo depois de assistir o vídeo acima: pensando em como algo pode ser ao mesmo tempo tão pesado e tão sutil. Tão mórbido e tão sublime.

Talvez eu exagere nas antíteses, mas somente alguém que vive perfeitamente bem nestes dois mundos — o real, em que coisas terríveis acontecem e nos deixam traumatizados — e no mundo da imaginação — pode transformar essas perplexidades em poesia e música. Alguém capaz de perceber o amor, a misericórdia em um assassinato.

Eu preciso dizer que algumas coincidências fazem toda a diferença. Dias antes de conhecer o trabalho da Aurora, eu e minha esposa falávamos sobre uma notícia que nos chocou: pais que sacrificaram as filhas e esposas, na Síria, com o consenso delas, para evitar que estas sejam torturadas ou transformadas em escravas sexuais ou algo do gênero, se fossem capturadas pelos inimigos.

Notícias como estas me deixam muito mal. É um mundo de ódio que somos forçados à engolir. Eu lembro de ter pensado o quão horrível deve ter sido para estas famílias, e principalmente, para estes pais. Não me causa estranheza que muitas pessoas prefiram viver em seus mundos interiores, em seus sonhos, fechando-se em seus contos de fada. Ainda mais quando estas pessoas são empáticas e sofrem pela dor alheia.

Empatia talvez seja a mais sublime qualidade humana. Esta capacidade que as pessoas têm de se colocar sob a pele dos outros, de imaginar e vivenciar os sentimentos, dores e alegrias das outras pessoas, como se fossem suas, faz com que ainda existam pessoas surpreendentes neste mundo.

Talvez eu esteja fazendo uma leitura errada, mas meu feeling me diz que Aurora é, definitivamente, uma pessoa subjetiva e empática. Uma garota que cresceu tanto aqui, na Terra, quanto em mundos e universos tão próprios e peculiares de uma mente criativa e sensível. E estas qualidades costumam cativar as pessoas.

Tanto o é que, depois de me surpreender com murder song, fui atrás de outras músicas e encontrei mais do mesmo. Mais dessa sensibilidade contagiante. De histórias tristes e de leituras empáticas, de lágrimas congeladas e de guerreiros que buscam a luz. Não é difícil perceber que a infância e a adolescência pode ser muito complexa e difícil para muitos. Mas nem todos temos a capacidade de cumprimentar nossos demônios e fazer destes medos, música e poesia.

De março pra cá, dei mais atenção ao seu trabalho, incluí uma pasta sua no pendrive do carro, junto com Pearl Jam, Legião Urbana e outras predileções musicais. Sua voz, suas letras e suas melodias são excelentes, contagiantes. E vejam só esta nova coincidência: Mal conheci o seu ainda breve trabalho e Aurora agendou alguns show aqui, em terras tupiniquins. E no dia 18 de outubro pude conferir sua apresentação, ao vivo, em Curitiba.

Ali, pude atestar pessoalmente uma outra qualidade que já me chamava atenção nas apresentações gravadas que via pelo YouTube: a capacidade não somente de cantar, interpretar, mas também de vivenciar a música. Esta qualidade, na minha opinião, é a que faz Eddie Vedder, por exemplo, o melhor frontman da atualidade. Quando vemos uma performance ao vivo do vocalista do Pearl Jam, podemos perceber que ele encarna o sentimento — seja de raiva ou de tristeza — em sua atuação.

Essa sua relação com a música não se resume à apenas cantar, mas sim reviver aquele sentimento, tornar-se uma com sua música, ser transparente e deixar que a própria essência conduza a canção. Exatamente por tal motivo, por exemplo, que a própria Aurora não canta uma de suas músicas, chamada Home. É uma canção com tamanha carga emotiva para ela que a faz desabar, quando a interpreta. E isso, meus amigos, também se deve à empatia.

O gosto musical é muito pessoal, entendo perfeitamente quem não se identificar ou mesmo não curtir o trabalho da Aurora. Esta é a primeira vez que experimento falar, em meus textos, de uma artista (ainda) desconhecida para outras pessoas e, talvez, eu não seja bem sucedido.

Talvez eu fosse mais criativo se eu trouxesse algumas coisas do meu mundinho para cá. Mas costumo evitar porque eu ainda não venci todos os meus demônios. Acho que minhas “crias” estão muito bem protegidas em um mundo só meu, onde não há esse ódio e esse preconceito. Não sei se saberia lidar com essa transição embora, vez ou outra, eu dê asas à alguma ideia nascida lá.

Por outro lado eu sinto que pouco à pouco tenho abandonado esse meu mundinho. E eu temo que essa nova fase mundana (e muitas vezes cruel e exaustiva) do showbiz, de turnês, gravações e entrevistas roubem a Aurora dela mesma, deixando-a também cada vez mais longe daquele seu mundinho, que tanto à inspira e que, talvez, seja seu verdadeiro lar.

Quem tiver mais interesse em conhecer a Aurora e o seu trabalho, recomendo o site Portal Aurora Brasil e seus canais nas redes sociais, como a página do Facebook e o seu canal no Youtube, com diversas músicas traduzidas e legendadas.

Olá, tudo bem? Além de participar das publicações aqui do Medium, como a e a Revista Subjetiva, a Ciência Descomplicada e a TRENDR, estou também me dedicando a divulgar a ciência do Direito lá no Youtube. Com uma linguagem acessível à todos os públicos, tento explicar conceitos ou comentar as polêmicas que envolvem o mundo jurídico. Fiquem à vontade para se inscreverem no canal, ou me acompanharem no Twitter ou no Facebook.

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Tassio Denker

As palavras, sem cores. Preto no branco. Words, without colors. Black characters on white screen.