Entrevista com o artista, ilustrador e quadrinista Odyr Bernadi

Lucas Lucena Sonda
Revista Subjetiva
Published in
7 min readMay 18, 2017

Quem acompanha páginas que compartilham conteúdo artístico ou tantas outras que tratam de temas políticos/sociais no Facebook, já deve ter se deparado com alguns dos trabalhos de Odyr Bernardi. As ilustrações, tiras e charges, impressionam pelo estilo particular e pela capacidade de comunicar muito com tão pouco. Bastante solícito, o artista concordou em conceder a entrevista que logo segue, mas, primeiro, deu conta de perpassar momentos chave de sua vida para que possamos conhecê-lo um pouco melhor:

“Gostava de quadrinhos. Foi pra faculdade, ficou pretensioso, largou os quadrinhos. Largou a faculdade. Foi ganhar a vida com design. Largou o design. Foi fazer ilustração. Largou a ilustração. Voltou pros quadrinhos. Passou anos e anos e anos tentando se tornar proficiente nessa linguagem impossível. Fez uma quantidade ridícula de histórias nesse processo, publicou uns dois álbuns. Largou os quadrinhos. Começou a fazer tiras. Começou a pintar. Ainda não largou os dois. Mas, por isso e tudo e mais um tanto, sente que fato nem começou ainda.”

A ENTREVISTA

Lucas Sonda — Não é incomum, através dos seus tweets, postagens no Facebook e, principalmente, da crônica Sobre Viver de Arte (infelizmente indisponível após o encerramento do blog pessoal do artista), percebermos uma visão bastante realista da dificuldade em se sobreviver de arte no Brasil. Como você enxerga essa dicotomia entre o lucro e a criação?

Odyr Bernardi — Tem um cartum que brinca com isso, sobre como acho que devia ser o primeiro dia da faculdade de arte. E talvez devesse ser ainda mais radical que isso. Talvez os professores da faculdade de artes devessem dizer para seus alunos: “você vai ser pobre, você está disposto a isso?” Porque é a verdade. Para o pequeno contingente de alunos dos cursos de artes que tentem a vida, claro. A maioria absoluta tem bom senso pra achar outra forma de ganhar a vida.

Não tem nenhum romantismo vangogheano aqui da minha parte em achar isso bonito, mas é o que é. É a vida mais incerta de todas. Não tem uma lógica de mercado onde o artista mais qualificado, talentoso e dedicado tem mais chances de triunfar (ou meramente sobreviver), como em outras profissões. Aí entra o imponderável, entra a história. Você pode ser talentoso e dedicado, mas escolher um caminho/estilo/técnica que está em baixa naquele momento histórico. Ou simplesmente o mundo está prestando atenção em outra pessoa naquele momento. Se você pensar em qualquer artista que a história escolheu pra sobreviver, tem outros 20 ou 50 contemporâneos dele tão talentosos quanto, que simplesmente sumiram numa dobra do tempo. Aí entra aquele conselho maravilhoso do Millôr: tenha sorte.

Mas também é verdade que, independente de qualquer medida de sucesso que você vá ter (ou das dificuldades que você vá enfrentar), você vai ter momentos de satisfação mais profundos que a maior parte dos humanos. Momentos pessoais, pequenas vitórias e iluminações que ninguém vai ver ou saber, na sua mesa de trabalho. Que são os que te mantêm nessa vida absurda.

Lucas Sonda — São bastante intensos e idiossincráticos seus relatos quanto à árdua caminhada que percorreu em meio à arte. Trabalhos secundários, muitas vezes desenvolvidos em áreas que não lhe trouxeram a satisfação pessoal pretendida, sendo substituídos, aos poucos, pelo retorno efetivo aos quadrinhos, ilustrações de livros — Copacabana e Guadalupe — e projetos próprios. Já se considera trilhando verdadeiramente a estrada da independência artística?

Odyr Bernardi — É um processo, esse de cortar de todo as amarras. E um processo que deveria ser conduzido com muita calma e cuidado. Emprego mesmo faz anos que não tenho e espero não ter mais nenhum. Freelas em ilustração e design fui diminuindo com o tempo, porque eles são bastante intrusivos na sua rotina de trabalho como artista e trazem um mundo de angústias, emails, telefonemas e prazos, etc. Sem falar em desgosto, concessões, etc. Como me disse um amigo outro dia: cada ilustração que você faz são 20 emails trocados. E os valores caíram muito. Então o que acontece em geral hoje em dia é que para sobreviver de ilustração o sujeito tem que trabalhar sem parar, aceitar todo tipo de encomenda e no final do dia a última coisa que ele quer fazer é desenhar. Então no momento eu estou (perigosamente) vivendo de arte. Mas é uma coisa Jack Bauer de nível de perigo. Não é para os fracos.

Lucas Sonda — Em textos próprios, e também em outras entrevistas concedidas, você sinalizou a importância da internet para o compartilhamento da arte. Como você enxerga, atualmente, a internet na propagação do seu trabalho e na consolidação dos artistas em âmbito nacional e internacional?

Odyr Bernardi — Pra mim foi/é fundamental e mudou tudo. Hoje é parte do meu trabalho e mesmo do meu pensamento/processo, ir fazendo e colocando na internet. Publicar te traz mais clareza e distanciamento sobre o trabalho e publicar na internet é uma forma de publicar, traz o mesmo resultado pessoal de clareza. E, claro, a multiplicação do conteúdo, a maneira como ele se espalha, é uma coisa linda, caótica e nova. E cria uma outra relação — ao invés de só comprar uma obra, num momento isolado, as pessoas acompanham seus artistas favoritos ao longo do tempo. Acompanham as dúvidas, o processo, os caminhos explorados e abandonados. É um outro tipo de acesso, que não existia e acho que enriquece a relação artista-público.

Lucas Sonda — Ao responder a indagação do Sr. Renato Alarcão, em 2011: “Como viver de criar imagens em um mundo que, embora seja ricamente decorado com elas, promove com a mesma intensidade a cultura do grátis?, em seu blog pessoal, você escreveu em meio a outros pensamentos:

“Vamos ter que ser mais pessoais e intransferíveis. Acredito que aumenta o valor e o interesse naquilo que só você faz. Existe uma zona, um registro, muito pessoal, onde ninguém compete com você. Quando mais pessoal, mais intransigente em sua criação, maior seu valor.”.

É possível considerarmos, portanto, a Série Fantomas como exemplo vivo, dentro da sua obra, de algo pessoal e intransferível? Quão autobiográfica são as crises existenciais presentes nas indagações de Fantomas?

Odyr Bernardi — Fantomas sou eu, aquelas angústias e dúvidas todas são minhas. Mas acho que todo trabalho é autobiográfico, por menos que pareça em alguns casos. Mas você sempre parte de você e sempre se coloca, direta ou indiretamente. E se você não se coloca, algo de você ou do seu aprendizado no mundo, o trabalho em geral sofre.

Lucas Sonda — Suas charges, tirinhas e quadrinhos acumulam uma ampla gama de temáticas expostas, incluindo a crítica social, política, econômica e cultural. Como é expressar, nesses gêneros, opiniões tão complexas e extensas?

Odyr Bernardi — Acho que no final eu expresso opiniões bem simples sobre esses assuntos complexos. Tem uma coisa impressionista da minha parte nisso, não tem nenhuma pretensão de ter uma resposta. E eu tento sempre, mas sempre, colocar da forma mais simples e direta possível. Me desgostam os discursos, aquela nuvem de palavras que nos distraem do fato de que nada está sendo dito. Nesse processo recente dos quadrinhos receberem uma outra atenção e espaços, se vê um pouco disso acontecendo — uma ideia do que seria um quadrinho mais elevado, executada meio canhestramente. Um filosofismo discursivo que não vem de um insight pessoal verdadeiro, honesto. Não é de fato a voz daquela pessoa. A pedra fundamental é a verdade — o que você realmente vê, sente, quer dizer e não o que você acha que deveria estar dizendo. Felizmente tem muita gente talentosa aparecendo e trabalhando e coisas lindas estão surgindo, mas o que me toca e interessa mais é sempre o trabalho onde eu vejo uma verdade. Alguém está de fato colocando algo de si ali. Isso.

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Lucas Lucena Sonda
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Escreveria mais e sobre mais coisas se não fosse a compreensão da minha própria ignorância.