A imagem mostra Ruy Castro e Heloísa Seixas na mesa da Casa Folha na FLIP 2019; ao fundo, percebemos que o ambiente está abarrotado de espectadores. A foto foi tirada por mim.

Especial (off-)FLIP: "Um Dedo de Prosa" com Ruy Castro e Heloísa Seixas

Uma mesa sobre literatura, processos e internet na Casa Folha

Ligia Thomaz Vieira Leite
Revista Subjetiva
Published in
5 min readJul 18, 2019

--

Pensa em um casal fofo, na casa dos seus sessenta e tantos anos, andando de mãos dadas pelas pedras escorregadias do centro histórico de Paraty. Agora pensa que esses dois são grandes nomes da literatura nacional e que o casal está saindo de uma mesa em uma das casas mais prestigiadas da off-FLIP. Essa era a visão de quem esbarrava — sim, esbarrava, essas coisas acontecem na FLIP!— com Ruy Castro e Heloísa Seixas na sexta-feira em Paraty.

Os dois protagonizaram um bate-papo, logo no começo da manhã de sexta, na Casa Folha, e atraíram um público bem diverso — no qual eu tive o privilégio de estar incluída. Não pretendo, neste texto, cobrir de todo o que foi dito, já que não tenho o mesmo dom para manejar palavras que este incrível casal. Mas prometo escrever alguns destaques do que foi tratado pra tentar trazer um pouco do que foi ouvir esses dois monstros da escrita pessoalmente. E aí, se por acaso, alguém se interessar em saber melhor do que rolou, vai poder clicar aqui e assistir o bate-papo na íntegra no site da Folha.

Processos (originais e adaptados)

Os dois começaram falando do processo de ter sua obra adaptada para outro veículo. Ruy, que já teve seus livros transformados em filmes, peças e musicais foi enfático em falar da importância de o autor desligar-se deste processo, já que muito pode mudar na transposição de um texto para outro formato. Lembrou que a adaptação pode às vezes decepcionar, mas manteve a opinião de que o autor não deve se intrometer. Heloísa, que já adaptou livros próprios e do marido para o teatro, concorda. As linguagens são diferentes. E, assim, tudo muda.

Passaram para o processo de escrever textos próprios e Ruy Castro falou da biografia como um trabalho coletivo, da importância das entrevistas — e das dificuldades para conduzi-las — e da própria convivência com pessoas que conheceram o biografado. Mais ainda, da importância de uma leitura prévia feita por alguém de sua confiança — “Cada coluna, cada capítulo, é ela [Heloísa] que lê.”

Destaca também a importância de perseguir a informação — "O Ruy é muito obsessivo" — . Diz que se você escolher abrir mão de um ou outro dado, vai acabar, sem perceber, abrindo mão de coisas importantes. E, mesmo quando são detalhes sem muita influência no todo, eles auxiliam na composição daquele universo do biografado para o leitor. Se for abandonar a informação, diz, é melhor não fazer biografia e se permitir adentrar pelas invencionices da ficção.

Para Heloísa, a escrita de ficção tem outro processo, bem diferente do de Ruy. Inventam-se vidas, uma coisa tão complexa, que vem de lugares muito desconhecidos; e por isso é um trabalho um pouco mais solitário. Mas, mesmo na ficção, a leitura por alguém de confiança, também é fundamental. Só que, nos textos de Heloísa, o primeiro leitor não é Ruy, que só vem a ler bem mais tarde— "Eu me meto em tudo o que ele faz; ele não se mete no que eu faço".

Termina o assunto, "se metendo" no processo de escrita de biografia do marido, afirmando haverem duas máximas nessa escrita: saber ouvir e não desistir nunca.

Projetos futuros

Heloísa está com lançamento previsto, pela Companhia da Letras de um livro de contos intitulado "A Noite dos Olhos" e, pela mesma editora, deverá reeditar um de seus livros mais antigos — "Diário de Perséfone", interpela Ruy, quando percebe que a esposa está terminando a fala sem citar o título da obra.

Ruy Castro, por sua vez, está há três anos trabalhando em seu próximo livro: uma história do Rio, nos anos 20; de um Rio que não precisou ser modernista, porque já era tremendamente moderno. O livro, que sai no final deste ano, vai se chamar "Metrópole à beira-mar" e deve tratar, inclusive, das grandes autoras (mulheres) que faziam sucesso no mercado editorial da época.

A imagem mostra portas de uma casa em Paraty, com as bandeiras da FLIP, em rosa. Acima, o telhado da casa colonial e o céu azul. Foi tirada por mim, logo após a mesa.

Internet, livros antigos e novos autores

Abertas as perguntas, os assuntos foram diversos. Perguntada sobre seu livro "O Oitavo Selo" e sobre a opção de interpelar textos seus e do marido, Heloísa diz que, apesar do tom ficcional, o livro conta histórias reais, dos confrontos de Ruy Castro com a morte (foram sete, no total) e que, por ser tanto uma história dos dois, de repente, naquele texto, entravam trechos de entrevistas, que eram tanto tirados de falas reais dela e do marido, quanto inventadas— "foi a maneira que o livro se escreveu". Logo depois, Ruy Castro ainda destaca não ter se reconhecido naquele personagem que era para ser ele e ter ficado muito impactado pelo texto.

Quando perguntados sobre o panorama atual da literatura nacional, Ruy "passou a batata" para Heloísa — "Realmente, o Ruy quase não lê ficção(…). Ele mal e mal lê os meus!". A escritora afirma gostar muito do Sérgio Rodrigues (que lançou um livro de contos recentemente e também será tema de um dos posts deste especial), autor de "O Drible", livro que ela acha "absolutamente sensacional".

Também falaram de amor e contaram como se conheceram: apresentados por uma amiga em comum, quando Ruy veio ao Rio, após o lançamento de "Chega de Saudade", entregar exemplares a duas de suas fontes, João Gilberto e Tom Jobim. Depois de deixar o primeiro na portaria de João Gilberto, o casal e a amiga saíram para almoçar e, quando as duas foram deixá-lo no hotel, ele pediu que esperassem e desceu com o segundo exemplar do livro para Heloísa — "Eu não queria namorar o Tom Jobim…". Heloísa só decidiu namorar Ruy durante a leitura — "Esse cara escreve bem! Acho que vou namorar ele…" e só descobriu que seu exemplar era destinado ao compositor mais de dez anos depois.

Ruy responde às últimas perguntas, informando que não tem celular — "Você ficaria espantada, como o mundo funcionava bem antes dessa parafernalha toda!". Heloísa, por sua vez, está conectada nas interwebs e tem whatsapp, instagram e facebook — "E ele dá uma sapeada: 'entra aí pra ver se tem alguma coisa?'". Ruy, porém, é pessimista, diz que as agressões que estamos vendo na internet são os contra-efeitos das redes que chama de anti-sociais. Heloísa é mais ponderada. Diz que toda invenção humana tem potencial positivo e negativo, dependendo de como for usada e, nesse sentido, as redes também são plataforma para divulgação de coisas boas.

"A rede social é um tribunal no qual você não tem como se defender; você é julgado por uma multidão sem rosto à qual você não pode se responder e talvez da qual você não possa se defender" — Ruy Castro

Ruy Castro encerrou indicando algumas das escritoras que estudou no processo de escritura de seu novo livro, todas de grande sucesso no Rio de Janeiro dos anos 20: Albertina Bertha, Rosalina Coelho Lisboa, Chrysanthème (era a colunista mais bem paga de todo o Brasil e também romancista), Mercedes Dantas e Gilka Machado (sua favorita).

Você pode encontrar os livros de Ruy Castro clicando aqui e de Heloísa Seixas clicando aqui.

*Esse texto faz parte da cobertura da Subjetiva na FLIP: Festa Literária Internacional de Paraty.

--

--