Estado Islâmico: Desvendando o Exército do Terror

Larissa Goya Pierry
Revista Subjetiva
Published in
6 min readJan 15, 2019

A questão principal do livro “Estado Islâmico: Desvendando o Exército do Terror” é “de onde veio o Estado Islâmico e como ele conseguiu fazer tanto estrago em tão pouco tempo? Em inglês ISIS (Islamic State of Iraq and Syria). Esta obra de não-ficção publicada pela Editora Seoman (selo da Editora Pensamento-Cultrix) parece assumir um significado muito íntimo para ambos os autores; Hassan Hassan é natural da Síria, o que significa que conviveu com jihadistas de perto, e Michael Weiss é um jornalista que trabalhou como correspondente estrangeiro na Síria para um jornal norte americano.

Questões como essa começaram a circular e intrigar o mundo inteiro enquanto vídeos de decapitações de reféns ocidentais começaram a aparecer nas mídias. Descobriu-se que o Estado Islâmico é um velho inimigo dos EUA, assumindo, primeiramente, a forma da al-Qaeda no Iraque, depois como Conselho Consultivo Mujahidin e, por fim, Estado Islâmico do Iraque (E.I.). É como se o maior nêmeses de tudo o que a cultura ocidental representa — personificada pelos EUA — estivesse se mascarando de diversas formas, sempre tendo sido aquele mesmo inimigo familiar. Será que é possível destruir uma organização com um potencial de transformação e adaptação tão grandes?

O E.I. é uma organização terrorista mas não apenas isso, é também uma máfia adepta em explorar mercados obscuros transnacionais, como tráfico de petróleo e de armas, buscando restaurar o império islâmico que existiu na Idade Média, seguindo as palavras do profeta Maomé, aprovando de práticas como estupro, escravidão e crucificação como punição para todos aqueles considerados “infiéis”. A organização tem um equipamento incrivelmente eficaz em recrutar soldados ao redor do mundo, funcionando, sobretudo, por meio de contatos e propagandas pela Internet e dentro das prisões muçulmanas, que não diferentemente das prisões ocidentais, falhando em alcançar a “reabilitação social” do apenado.

Um dos pontos abordados pelo livro é o encontro entre al-Zarqawi, fundador da al-Qaeda no Iraque e Osama Bin Laden, o financiador de todo o projeto. Posteriormente, houve separação entre al-Qaeda e E.I. O Estado Islâmico é uma vertente muito mais radical do pensamento islâmico, que envolve a consolidação de um califado, descendente da época medieval, que aplique totalmente as leis da Sharia, em um determinado território —hoje está sendo no Iraque e na Síria, cujo regime do ditador Bashar al-Assad apoia o E.I. Já a al-Qaeda, na ativa desde os anos 80, não conseguiu ser exterminada pois não depende necessariamente de um território para espraiar suas ideologias, logo, pode se infiltrar na clandestinidade.

Além disso, o livro de Weiss e Hassan fala sobre o início do Estado Islâmico, seus precursores, criadores e parceiros, disseca a vida dos principais nomes, bem como das guerras travadas internamente dentro do Islã, entre xiitas e sunitas (os membros do E.I. são sunitas), mas admitia a união entre os muçulmanos somente contra um inimigo em comum: o Ocidente, mais especificamente, os Estados Unidos. No início, o presidente Obama, erroneamente, desprezou as ações do E.I. como um “bando inexperiente de terroristas”, um bando de “novatos” que estavam tentando imitar a antiga al-Qaeda, mas isso se mostrou mais um erro do governo norte americano.

Acredito ser interessante pararmos para analisar a questão da emergência do Estado Islâmico pois é uma realidade recente da qual se tem poucas análises aprofundadas. Em meio a vídeos granulados de homens encapuzados e testemunhos indiretos de pessoas que tiveram contato com a organização, paira no ar o questionamento sobre qual seria o seu real objetivo e o que se passa ideologicamente com os líderes e, principalmente, o que leva tantas pessoas a entrarem em um movimento que usa a violência e a batalha sangrenta como justificativa para alcançar seu objetivo maior: a nova ascensão do império islâmico no mundo.

A partir disso, o E.I. tem atraído muitas pessoas extremistas, principalmente muçulmanos de todos os continentes, que veem essa organização como uma legitimação de toda a cultura de ódio e morte na qual acreditam. Uma forma institucionalizada de espalhar violência e destruição por onde quer que passe. Fenômenos como esse são muito curiosos e, certamente, remetem a experiências de seres humanos sob o efeito das grandes massas. Freud já abordou isso em sua obra “Psicologia das Massas e Análise do Eu”, publicado em 1921, muito antes da expansão de regimes totalitários como o Fascismo e o Nazismo na Europa da Segunda Guerra Mundial.

Podemos ter nos desenvolvido enquanto sociedade em níveis tecnológicos e de infraestrutura e comunicação nunca antes imaginados, mas, ainda hoje podemos ver as consequências do processo de fascinação de um determinado grupo de pessoas que projetam certas qualidades e características em um líder. Aquela pessoa passa a assumir o lugar de uma figura paterna e poucos argumentos racionais são capazes de quebrar esse efeito especular quase mágico.

Segundo Freud, quando estamos envoltos por uma massa de pessoas com pensamentos homogêneos, nossos impulsos inconscientes são mais facilmente externalizados, afinal, a consciência individual está enfraquecida. Logo, se determinado grupo cultua a violência e a destruição como valores fundamentais e o seu líder legitima e apoia isso, aqueles que estão ao redor dificilmente conseguirão contestar essa cultura.

Outro debate que me chamou à atenção é o de que a população feminina é a que mais sofre em guerras, como ilustra este trecho do livro: “De acordo com a revista de propaganda do E.I., Dabiq, um quinto das escravas sexuais tomadas de Sinjar era distribuído para a liderança central do E.I. dispor dessas mulheres como bem quisessem; o restante era dividido entre os combatentes, tal qual Abdelaziz, como espólios de guerra” (p. 10). Esse trecho mostra que ser um estuprador sistemático segundo a mentalidade dos membros do E.I. não vai contra as suas obrigações morais enquanto um muçulmano devoto das leis do Corão e dos ensinamentos do profeta Maomé.

Qual o papel das mulheres em uma guerra como a proposta pelo Estado Islâmico? Uma organização que deseja reinstaurar plenamente a Idade Média e destruir os infiéis — representado pelo Ocidente. Isso implica uma destruição das próprias mulheres, que não ocupariam outra posição a não ser subalternas, acessórios, meros depósitos. Afinal, como fala Svetlana Aleksiévitch em sua magnífica obra “A Guerra Não Tem Rosto de Mulher” (2015), as guerras são sempre contadas do ponto de vista masculino, seja de qual lado a mulher estiver, do lado das trincheiras ou do lado das vítimas.

Por enquanto, a grande guerra com a qual sonham os jihadistas não tem previsão de acontecer, há muito tempo o E.I. vem provocando o governo norte americano para que este entre em conflito bélico direto na região do Oriente Médio, mas isto é uma aposta com risco muito alto de dar errado. Caso falhasse, o governo dos EUA acabaria dando mais combustível para o recrutamento ao Estado Islâmico, na medida em que iria comprovar que há uma perseguição do Ocidente contra os muçulmanos. Por enquanto, os norte americanos concordam que é melhor apenas deixar a região entregue aos conflitos civis internos, xiitas e curdos enquanto resistência aos sunitas jihadistas, não sem custo humanitário no território.

O E.I. invadiu Iraque em 2014, seu líder na época, Abdelaziz havia conquistado uma extensão territorial aproximadamente do tamanho da Grã-Bretanha, isto é, o E.I. toma, hoje, proporções de exército, buscando, ultimamente, purificar o mundo de todas aquelas pessoas que fogem ao que os sunitas radicais consideram como um comportamento “próprio”, inclusive um dos maiores inimigos do E.I. é a própria população xiita, também muçulmana, pelo fato de aceitarem inovações no Corão, algo impensável para a organização.

Parece difícil crer que um movimento teológico tão fundamentalista, medieval e radical esteja em ascensão absurda em pleno século XXI, mas este ceticismo é um dos pontos que fortalece ainda mais a expansão do Estado Islâmico. Este livro é uma leitura bastante instigante para todos aqueles que curtem História, para os curiosos de culturas diferentes e para os que querem saber mais sobre um fenômeno extremamente atual.

GLOSSÁRIO:

Califado — monarquia medieval do Islã;

E.I. — Estado Islâmico;

ISIS — Sigla em inglês para o Estado Islâmico, significando: “Islamic State of Iraq and Syria

Jihad — Luta, resistência armada;

Kuffar — infiéis;

Mujahidin — guerreiros da guerra santa;

Sharia — jurisprudência islâmica (apedrejamento, decapitação, tortura, crucificação, etc.);

Rafida — termo pejorativo utilizado para descrever os xiitas.

REFERÊNCIAS

ALEKSIÉVITCH, S. A Guerra Não Tem Rosto de Mulher. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2015.

FREUD, S. Psicologia das Massas e Análise do Eu e Outros Textos (1920–1923). São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2011.

WEISS, M; HASSAN, H. Estado Islâmico: Desvendando o Exército do Terror. São Paulo: Editora Seoman, Grupo Pensamento-Cultrix, 2015.

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Larissa Goya Pierry
Revista Subjetiva

Psicóloga. Feminista. Escrevo umas coisas por aí. Apaixonada por Cinema, Literatura, Música e pelas belas estranhezas da vida.