Eu Não Sou Um Intérprete
Sobre uma regra que se tornou exceção.
Pelas minhas contas, haviam cinco dicionários na sua mesa, dois tradutores online abertos no computador e imensas listas redigidas a mão sobre palavras e suas traduções diretas para outras línguas.
Eu te trouxe café, perguntei como foi o seu dia e você me disse que estava muito ocupado.
Eis que você fechou os olhos, respirou fundo, tomou o café e finalmente me disse a verdade: não estava nada bem.
Você disse que tinha se perdido entre as traduções e eu soube exatamente ao que você se referia.
Você tentou tanto interpretar o significado do que te diziam que você, simplesmente, se perdeu.
Neste processo repleto de altos e baixos que rotulamos de “sermos a nossa melhor versão”, nos deparamos com a clássica dificuldade de compreender os outros e também sermos compreendidos.
Todos nós, sem exceção, queremos ser compreendidos.
Contudo, pessoas confusas acabam por criar contextos e situações confusas para si mesmos e para os demais ao seu redor.
Nem sempre é de propósito, afinal, existem pessoas que realmente não percebem o quão imprecisas e desordenadas elas são, mesmo isto sendo uma dever individual.
Em uma relação, seja ela qual for, a responsabilidade não deve ser unilateral e foi por isso que eu resolvi te visitar.
A frase “Eu sou responsável pelo que digo não pelo que você entende” não é uma carta branca.
Há um limite quase imperceptível, mas ele existe.
Somos responsáveis pelo que dizemos e cabe a nós partilharmos as nossas palavras da forma mais clara possível.
De fato, não podemos controlar o que o próximo compreende, entretanto, podemos abrir espaço para um diálogo mais saudável.
Se você só diz o que quer e não tem cuidado com o próximo, então a sua “responsabilidade afetiva” desceu pelo ralo junto com sua “bondade”.
Alguém sempre lhe causará dúvidas: seja pelo vácuo, pelas meias palavras, pela ausência de sentido ou por puro desinteresse. Por vezes é possível compreender o motivo do ruído e, em outros momentos, existem mais lacunas do que o normal.
Não preencha lacunas.
Não busque respostas para o que não foi dito.
Não interprete o caos, a bagunça e a confusão.
E se a sua comunicação for repleta de vãos, hiatos, pequenos mistérios sem pé nem cabeça ou dotada de uma natural inconsistência proposital, então a frase clichê “Eu sou responsável pelo que digo não pelo que você entende” não lhe cabe, pois sua responsabilidade evaporou.
Interpretar o próximo deveria ser uma exceção e não uma regra.
Ás vezes as palavras se perdem.
O famoso “deu branco”.
Temos medo de dizer algo e se comprometer.
Medo do “depois”. Ansiedade.
As palavras são vento, mas constroem caminhos e universos possíveis.
Tudo bem falhar na comunicação com alguém, mas coloque as cartas na mesa e não as esconda na manga.
Há pessoas que vão precisar de mais paciência, sem dúvidas… porém, elas devem ser exceções.
Talvez nós sejamos a tal pessoa mais complicada na vida de alguém também e por isso é importante trabalhar a concisão das nossas ideias, afinal, elas brotam de dentro para fora.
Guarde seus dicionários multilíngues, seus tradutores online e abra mais espaço para que você compreenda e seja compreendido.
Se trata de uma troca.
Troque conteúdos e ideias ao invés de aprisioná-los.