Eu Vou Te Deixar Primeiro

Um mergulho em suas próprias palavras.

Danilo H.
Revista Subjetiva
3 min readMar 10, 2022

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Sua ficha ainda não caiu, mas você faz tudo que diz detestar.
E você teria percebido isso se tivesse prestado atenção.

Ah, verdade! Essa é a minha tarefa (suas palavras, inclusive).

Kang Jiyeon

Dei de cara com uma caixa repleta de tesouras na bancada da cozinha assim que entrei no seu apartamento.

Contemplei aquela cena tão atípica por sessenta segundos antes que você chegasse e me dissesse que nem tudo é o que parece.

Haviam tesouras de todos os tipos: sem ponta, algumas minúsculas e outras enormes.

Você me explicou que elas eram apenas para “emergências”, pois, ao menor sinal de perigo, você não hesitaria em utilizar o tal artefato mais apropriado.

Notei alguns machucados espalhados pelo seu corpo, então eu compreendi o que você quis dizer.

Nem toda cicatriz ensina algo bom, afinal, nem sempre nos recuperamos por completo de algumas dores.

Kang Jiyeon

Cortar laços.
Eis algo que se tornou tão banal quanto ir à padaria e pedir cinco pães de sal.

Não é necessário muito, basta a palavra errada na hora errada ou algo fugir do esperado para que a vontade de desistir do próximo apareça.

Causar dor no próximo antes que a dor recaia sobre os nossos ombros.
Fugir enquanto há tempo.
Ficar por cima.
Recomeçar.

Quase um mantra do caos.
E, pelo que percebi, você o internalizou com uma maestria ímpar.

Manejar a tesoura é fácil, mas o preço a pagar é recompensador?

Kang Jiyeon

O que você sente quando a tesoura faz aquele “Tic” ao te desprender “daquilo” que era o seu maior desejo e hoje é "só um corpo" desinteressante?

Tic!

Tesão ou dor?
Felicidade ou desassossego?
Sensação de liberdade ou fracasso?

Tic!

Abandonar é fácil.
Paredes de gelo subirão do chão se for necessário.
E basta alguns comandos virtuais para que a existência do outro desvaneça.

Tic!

Ser o primeiro a sair de cena para evitar que as coisas fiquem mais complexas e insuportáveis.

Tic!

Eu tenho minhas dúvidas se você está, de fato, vivendo cada relação ou se está repetindo as mesmas palavras, ações, gestos e ideias com diversas pessoas enquanto busca um resultado diferente.

Temo que esse dia nunca chegará, pois, cedo ou tarde, a dor se tornará, descaradamente, o caminho.

Este mecanismo de defesa que você aprendeu com o tempo irá, num estalar de dedos, te causar um colapso (se é que já não causou).

Em algum momento, ser o primeiro a pular do barco não será suficiente.

Kang Jiyeon

Saiba que a porta está aberta caso você queira ir embora, mas esteja ciente de que por aqui esta ação é considerada irreversível.

Ah! Estou longe de te convencer a ficar, não tenho este poder.

Aliás, esta ânsia por ser o primeiro a sair de cena ainda te levará a um beco sem saída dentro de si mesmo.

E eu bem sei que há um imenso barulho aí dento que se recusa a cessar.

Não sei se já te disseram isso, mas está na hora de fechar as suas feridas antes que você machuque mais pessoas pelo caminho.

Espero que um dia você entenda que fazer morada na vida de alguém não é, necessariamente, um risco fatal.

Nem toda risco precede uma tragédia.

Só porque alguém te machucou isso não significa que você tem passe livre para ferir os outros, mesmo que seja de modo inconsciente.

Você pode fugir de todas as pessoas deste planeta, menos de você mesmo.

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Danilo H.
Revista Subjetiva

Aqui eu escrevo sobre desconfortos, alegrias e sobre nós.