Famílias migrantes e famílias transnacionais

Ana Paula Risson
Revista Subjetiva
Published in
5 min readJan 15, 2019

Reúno, pela primeira vez, duas temáticas que venho estudando: famílias e migrações. As reflexões surgiram e foram sistematizadas neste texto a partir de minhas experiências como pesquisadora e voluntária junto a imigrantes. Trata-se de um texto introdutório, que em breve ganhará novas versões e aprofundamento.

Artista sírio Nizar Ali Badr

Os desafios impostos pelas migrações não estão somente nas estruturas sociais, econômicas e governamentais. As migrações, especialmente as internacionais, impõem novas dinâmicas de funcionamento nas famílias, sejam aquelas em que todos seus membros migram para um novo país, sejam aquelas em que parte dela permanece e a outra migra.

Lidar com a saudade, reorganização familiar e esperançar por dias melhores faz parte dos desafios de milhares de famílias que são atravessadas pelas migrações.

Famílias migrantes

Desenho do mexicano Antonio Rodriguez Garcia (Fonte: NIEM — Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios)

Entendo como famílias migrantes aquelas cujo seus membros conseguem manter-se juntos ou se reencontrar em um novo local que não aquele onde se constituíram como família.

É comum encontrar nas comunidades de imigrantes, aquelas famílias que, depois de muito esforço e, na maioria da vezes, depois de um certo tempo, conseguem se reunir no novo país.

A família, que estava inserida em um contexto social, cultural e com um rede de apoio já formada em seu país de origem, vê-se em um cenário completamente diferente (idioma, cultura, religião, alimentação), que pode rejeitá-la, seja por ser imigrante, pela religião ou pela cultura.

A inserção na nova sociedade passa a ser um esforço diário e constante, compartilhado entre os membros da família. A inserção no contexto laboral dos adultos e escolar das crianças e jovens da família permitem identificar como este processo está ocorrendo e como a família está lidando. A maneira como a sociedade concebe os imigrantes e o repertório da família para lidar com os atravessamentos e mudanças são determinantes para lidar com este novo momento.

A partir da experiência junto a haitianos e senegaleses, percebo a religião como um fator positivo e salutar na vida dos imigrantes e suas famílias, permitindo a reaproximação da comunidade, a preservação de hábitos culturais e religiosos e a criação da rede de contato entre eles.

Famílias transnacionais

Fonte: Madre, Abuela, Tierra, Cuantica

As famílias transnacionais são um dos resultados das migrações internacionais, definidas como

“famílias cujos membros vivem algum ou a maior parte do tempo separado uns dos outros, mas apesar disso permanecem unidos e criam algo que pode ser visto como um sentimento de bem-estar coletivo e unidade, isto é, familiaridade, mesmo através de fronteiras nacionais” (BRYCESON; VUORELA, 2002, p. 03)

Entendo que enquanto o conceito de família imigrante tem maior correlação com a família que migra para outro local (cidade, estado, país), família transnacional se refere aquela família cujo seus membros estão residindo em países diferentes.

É comum que os membros que permanecem no local de origem dependam das remessas de dinheiros do(s) membro(s) que partiram. Sem adentrar nesta reflexão, vale registrar que recurso recebido pela família no país de origem é responsável por significativo desenvolvimento da economia local, além, claro, da sobrevivência e melhor qualidade de vida da família.

Nestas famílias, as relações maternas, paternas, conjugais, dentre outras, são realizadas pela distância e, portanto, o acesso a tecnologia tem importância determinante nisso.

“A partir de relatos obtidos em entrevistas, migrantes de diferentes nacionalidades destacavam as rotinas diárias e semanais de reuniões familiares e acompanhamento das tarefas escolares dos filhos por meio do uso de softwares de comunicação como o Skype ou sites de redes sociais; ou, ainda, o esforço de familiares em se introduzir no mundo da internet em cidades do interior onde o acesso é restrito a fim de estabelecer conexões com o familiar que migrou. Alguns entrevistados jovens, especialmente mulheres, manifestavam também inquietações diante do controle excessivo exercido por familiares a partir da imposição de rotinas de conexão e comunicação diária via internet. Havia, ainda, mulheres migrantes que, como estratégia de estreitamento dos vínculos com os locais para onde migraram, evidenciavam o empenho para a redução do tempo de uso da internet a fim de priorizarem experiências de uma vida cotidiana menos mediada pelas relações familiares no país de origem” (COGO, 2017, p. 185)

Presenciei diversas situações em que nacionais não possuem empatia com as famílias de imigrantes, especialmente com as mães imigrantes. Numa destas situações, uma brasileira insistia em saber os motivos e como a mãe lidava com o fato de dois filhos ainda residirem no país de origem e outro junto com ela e o esposo no Brasil. A mãe imigrante, se esforçando para responder as perguntas, explicou que por questões financeiras ainda não estavam todos juntos. “Você não sente saudade deles?”, perguntou a brasileira. “Todo minuto”, respondeu a imigrante. As perguntas invasivas, somadas ao semblante da brasileira, explicitavam toda sua dificuldade de compreender o quanto o processo migratória impõe situações às pessoas e às famílias. As perguntas tinham em suas entrelinhas juízos morais de como deve ou não ser a relação materna e familiar.

É, portanto, outra forma de ser e estar em família, com prazeres e desafios de qualquer outra configuração e dinâmica familiar.

Reencontro

De tantas histórias emocionantes que já escutei e presenciei na vida, diversas deles envolvem os imigrantes. Uma delas é a do Romario Naziel e sua família, que se reencontraram em Canoas — RS.

Reflexões finais

As famílias migrantes e famílias transnacionais possuem características e dinâmicas que precisam ser consideradas pela sociedade receptora e, especialmente, pelos diversos profissionais que atuam com estas pessoas ou com o fenômeno migratório.

Se ser pai e mãe no seu país de origem é desafiador, ser pai e mãe dentro do fenômeno das migrações é muito mais; se fazer amigos no seu país pode ser difícil, em outro país pode ser muito mais; por fim, se o fenômeno das migrações é complexo, experienciar ele é muito mais.

Referências:

COGO, Denise. Comunicação, migrações e gênero: famílias transnacionais, ativismos e usos de TICs. São Paulo, Intercom — RBCC, v.40, n.1, p.177–193, jan/abr. 2017.

BRYCESON, Deborah; VUORELLA, Ulla. The transnacional family: New European frontiers and global networks. Oxford/New York: Berg Publishers, 2002.

Sugestões de leitura:

Global Voices. Para as famílias transnacionais de Cuba, um pouco de internet ajuda muito. 2018.

COGO, Denise. Comunicação, migrações e gênero: famílias transnacionais, ativismos e usos de TICs. São Paulo, Intercom — RBCC, v.40, n.1, p.177–193, jan/abr. 2017.

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