#freebritney e o album folklore — ser mulher é um ato de rebelião
Ser mulher é sobrepujar os limites do estereótipo todos os dias, lutar em várias frentes. Inclusive, algumas guerras a gente nem se dá conta, pois ainda existe um véu machista que precisamos rasgar; e sabemos que nossas batalhas são diferentes das dos homens, pelo menos uma parcela desperta das mulheres sabe disso e com elas precisamos projetar nossa voz.
E como é bom ter voz, espaço e oportunidade de escrever sobre o que anseio e me aliar a mulheres que mostram sua força através da vitrine que possuem.
Britney Spears e Taylor Swift são minhas maiores ídolas do pop e eu sempre questionei o que me fazia brilhar os olhos quando ouvia suas músicas ou assistia às suas performances. Além da personalidade única, entrega no palco e carisma: a ousadia.
Mais que uma atitude medida para ser icônica no palco, é algo que vem de dentro, aquela centelha de bravura no olhar de quem sabe brigar pelo seu sonho, e, acima de tudo, depois de conquistá-lo, não desistir dele. E, também, saber seu lugar como mulher na sociedade; na indústria musical; e suas consequências.
Apesar de se encaixarem nos padrões de beleza e terem alcançado reconhecimento, foram julgadas pelo viés de gênero e pouco avaliadas pelo trabalho duro que realizaram, mesmo depois de terem provado talento. Claro que elas acreditarem em seus valores como artistas é um fator essencial. Mas são mulheres… E esse “mas” é o que a sociedade machista usa como prerrogativa, faz o sucesso ser parcial. As mulheres sempre ficarão com a conta aberta, é um nível de perfeição exigido, além da aparência e idade, que nunca será alcançado.
O album folklore é a evidência, para mim, mais crua que existe de liberdade, audácia, garra e vitória da Taylor. Sentar na cadeira principal de uma mesa de reuniões e ditar suas regras, de ter seus recursos e apostar — porque ela quer gravar umas músicas — decidir, dirigir e moldar a experiência com seu time para chegar a seu resultado excepcional. Ela tem a chance de arriscar, de investir no seu trabalho e expertise. Quantas cantoras podem fazer o mesmo?Quanto de poder e autoridade sobre sua vida ao longo da carreira é necessário para ter liberdade?
Britney desde o seu estrelato pôde decidir algumas questões sobre seus vídeos e músicas, mas não com esse poder que hoje a Taylor tem. Como um produto de valor lendário, multimilionário, cada aspecto do que faz e lança tem que ter uma delicada discussão e aprovação. São muitas representações e manutenção de um estigma, é improvável que Spears tenha a decisão final. Claro que para Swift não foi um caminho suave e rápido, até hoje ela não tem posse total sobre suas primeiras criações — oi, ScooterBraun!
Britney mostrou à mídia e ao público uma sexualidade altamente explorada, até onde ela se sentia confortável — ela adora estar sexy — quando o emponderamento feminino não era tendência, quando os tablóides só evidenciavam que ela não era mais inocente e, por isso, não mais celebrável. Diminuíam sua arte, pois, para uma mulher, não foi concedido usar sua sexualidade e sua feminilidade como símbolo/marca: o que Britney usava sem modéstia. Ela sempre gostou de provocar, era um jogo que ela ganhava, até perder o controle.
O colapso ocorreu em 2007, quando ela passou por vários momentos que fizeram o público questionar sua sanidade. E a mídia quase desejar sua morte para acabar com o grande drama que se estendia na internet e na TV, diariamente, com seus flagras.
Britney lidava com um divórcio; a demissão de toda sua equipe de trabalho; brigas com sua mãe; o processo de guarda dos filhos, e o questionamento das pessoas em como os tratava; além da morte de uma tia querida. Foi flagrada frequentemente sem calcinha, na maioria das vezes, com um visual completamente desleixado. Em muitas noitadas com Paris Hilton, contratou um empresário que a drogava; a deixava passar noites sem dormir; e a afastava da família. Raspou o cabelo. Além da perseguição abusiva pelos paparazzi. Inclusive, namorou um deles e agrediu outro com seu guarda-chuva (na minha opinião, bem merecido).
Toda a situação tomou um novo rumo quando seu pai, James Spears, assumiu o controle total de sua vida, seus projetos e recontratou a equipe que a acompanhara desde o início. Ao contrário de tratar sua saúde mental e dar um tempo dos holofotes, a moldou para gravar músicas, voltar aos palcos e ficar sempre em evidência. O controle de James, que decide até se ela pode casar, seria por dois anos, mas se estende até hoje a contragosto de Spears que, atualmente, pede o fim da tutela por parte do pai. Este pai que usou como argumento no Tribunal, para manter sua posse sobre ela, que Britney tinha demência.
Ela tenta transpor a fragilidade de personalidade reproduzida mídia afora, explorada de forma cruel. No entanto, mais de uma vez, Britney expressou através dos stories do instagram — sua principal fonte de manifestação, a necessidade de liberdade (autêntica sagitariana), usando até sua música Stronger (than yesterday) como hino de sua luta pessoal.
Não há como saber se Britney quer voltar a gravar, cantar, se apresentar, a única certeza que temos é a de que ela, uma mulher de 38 anos, quer ser livre para direcionar sua carreira e vida, sem uma banca de homens dirigindo seus passos. Por isso, seu exército de fãs e apoiadores pede #freebritney em todas as plataformas. Uma nova tentativa do #leavebritneyalone de 2007, agora, com mais fervor pela eterna Princesa do Pop.
Taylor também se tornou vilã da sua história no momento em que sua palavra e figura foram diminuídas por Kanye West. Quando ele tirou um troféu de suas mãos em uma premiação e, posteriormente, divulgou um áudio gravado sem autorização, onde, supostamente, Taylor o autorizava a cantar sobre ela de modo pejorativo. Entre Kanye e Taylor, a voz que prevaleceu sem chance para questionamento (que surpresa!) foi a dele.
O album Reputation, da Taylor, expressa de forma clara e direta através das letras tudo que ela sentiu. No entanto, o que parte da mídia e público entenderam à época foi vitimização, agressividade — pois, quando uma mulher se impõe, ela é vista como hostil — gerando claro boicote nas premiações.
Quando Kanye subiu no placo do VMA e tirou o troféu de Taylor afirmando que ela não merecia aquele prêmio, me perguntei qual o pressuposto que ele tinha em se sentir no direito de dizer aquelas palavras ao vivo e ao mundo. Claramente, ninguém interditou Kanye West ou o tornou vilão a ponto de demerecê-lo como homem e de boicotá-lo.
Em seu documentário da Netflix, “Miss Americana”, ela fala desse período de sua vida e de todos os aspectos que a fizeram se reconstruir, aliada a uma base familiar sólida, recurso também usado por Spears no documentário Britney For The Record. São tantas pessoas falando por elas que ter uma ferramenta mais completa de comunicação faz toda a diferença.
O documentário é uma carta aberta da Taylor. Nele, vemos uma pessoa com sua autonomia reivindicada e posse de sua narrativa, além da percepção de si como mulher na indústria musical. Entender o sistema é indispensável para desconstruí-lo.
O album folklore, além de demonstrar a sua qualidade como compositora sobre outras perspectivas, é poesia cantada. Não da maneira que estamos acostumadas a ouvir dela, mas é instigante, é bonito demais conhecer essas estórias, sem pressa de sermos embevecidas.
Britney e Taylor projetaram da forma mais explícita possível o que uma mulher lida quando se está no topo, cada uma com suas particularidades, mas desacreditadas de alguma forma.
Ser mulher é ter sua vida, suas escolhas e corpos, em debate público. Afinal, nascemos com um manual pronto de comportamento e permissões e, consequentemente, todas as penalidades quanto a essas infrações, ditadas pelo patriarcado.
Em uma indústria que cobra das mulheres e idolatra os homens, as duas artistas têm uma força de caráter além da medida e resiliência sobrenatural, uma insistência em seguir em frente. Apesar de tudo, sempre declarando sua força feminina por sua música, colocando-se no espaço que se empenharam, que desejaram estar, mesmo com os reveses. Isso me faz pensar que eu, do meu lugar, posso buscar no meu caminho formas de vencer também, ainda que doa, na maioria dos casos.
Então que elas, você e eu, nossas histórias e seu poder possam se tornar referências como impulso, cada uma à sua medida. Quando uma faísca se move de cada lado, a chance de queimar tudo é sempre maior. Que cada conquista seja uma forma de motivação para nossa conexão, para nos impor nesta sociedade punitivista. Que toda nossa feminilidade seja a nossa força característica e não uma diminuição de nossas capacidades intelectuais. Vamos em frente, vamos juntas!