Gays e o gene da aversão ao futebol

Ricardo do N. Fernandes
Revista Subjetiva
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3 min readJun 24, 2021

Esta semana o Vasco voltou a se posicionar publicamente a favor das pessoas LGBTQIA+, com promessas de reestruturação institucional para promoção da inclusão. Em março, diversos times de futebol já haviam se manifestado contra a homofobia no Dia Nacional do Orgulho Gay. Vou explicar por que essas notícias me emocionam.

Fonte: https://gay.blog.br/esportes/vasco-volta-a-se-posicionar-a-favor-dos-lgbts-nas-redes-sociais/

Muita gente não entende por que homens gays (estou falando aqui de gays e não das outras letras da sigla só porque acredito que este caso é um pouco mais específico) não gostam de futebol. Não, não é porque é da nossa natureza não gostar, não é porque a gente tem um gene coloridinho que impede a gente de gostar. É porque é o ápice da masculinidade tóxica!

Não sei como as escolas estão hoje, então estou me baseando na minha experiência de millennial. Imagine você a infância inteira, a adolescência inteira ser obrigado a praticar educação física só com os outros meninos. Meninos que se identificam com todo o universo masculino, que ano após ano vão introjetando tudo o que há de ruim do que se chama masculino na nossa sociedade, e colocam toda essa masculinidade para fora nas aulas de educação física. Pois bem, lembro que as meninas tinham uma diversidade enorme de esportes para praticar, de acordo com a semana. Os meninos, não. Era futebol. E ponto. Praticamente toda semana, a aula toda. E você era obrigado a participar daquilo. E, conforme os anos passavam e os garotos iam se tornando homens, a violência só aumentava. E, se você não se encaixava no que eles consideravam masculino, você virava alvo! Não só era obrigado a jogar futebol com eles toda semana, como era xingado, diminuído, humilhado enquanto jogava. Há exceções? Claro que há, mas eu estou falando da minha experiência, que eu sei que muitos outros homens gays compartilham comigo.

Junte-se a isso o mundo dos adultos — que você vai observando desde cedo —, com torcidas agressivas, que literalmente se matam umas às outras, que se baseiam na violência e no confronto. E essas mesmas torcidas violentas têm gritos de guerra que matam a alma de homens que para elas não são homens de fato. A pior forma, para elas, de humilhar o time adversário é através de cantos homofóbicos. Você é a coisa mais baixa que existe nesse universo. De novo, você é o alvo.

Tudo isso em um contexto social em que a masculinidade em si já te apavora e te ameaça constantemente a vida. O futebol no Brasil é a representação máxima disso, a concentração máxima do suco da masculinidade tóxica que nos envenena todo dia. Então, não, não é um gene de bicha que te impede de gostar de futebol. Para muitos de nós, torna-se impossível gostar de futebol. Você forçosamente desenvolve aversão ao futebol e a todo esse universo que representa a natureza violenta da masculinidade do brasileiro.

É por isso que esse tipo de notícia me emociona. Porque mostra que há, sim, uma mudança ocorrendo no tecido social. Por mais que tenhamos um governo abominável, por mais que todos os monstros das pessoas estejam vindo à tona e o esgoto esteja a céu aberto, existe uma mudança positiva concretamente se desenrolando. Resultado de muita luta do movimento LGBTQIA+ dos últimos anos.

Esse tipo de notícia seria impensável 10 ou 20 anos atrás! Inclusão? No mundo do futebol? Eu riria se me dissessem que isso seria possível. Mas é possível. E, quem sabe, se tivesse acontecido lá atrás, e eu tivesse crescido vendo um futebol e homens cis heterossexuais que acolhem o diferente sem agredi-lo, sem violentá-lo, sem matá-lo, bem… Talvez eu e outros tantos homens gays hoje gostássemos de futebol.

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Ricardo do N. Fernandes
Revista Subjetiva

Carioca, LGBTQI+, progressista, veterinário, administrador e especialista em gestão do desenvolvimento sustentável. Escritor por vocação. — — — IG: @fernrich